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26.1.11

O Ano do Gato



Dia 25 de janeiro, ele chegou em casa. A Joh e eu fomos buscar o Fellini lá no Circo Vox, perto da Avenida Santo Amaro – coisa que fez com que minha amada tivesse seu primeiro contato direto com a estátua do Borba Gato. Digo e repito que, em caso de invasão alienígena, o Borbão vai ser nossa única esperança. Tipo o Goldar, aquele robô cabeludo, loiro, que virava foguete.

A mãe do Fellini, uma gata branca e magrela, deu à luz dentro de um baú. Chegamos lá e tava a ninhada inteira batendo cabeça, miando aqueles miauzinho, que gato filhote mia. Ao contrário da Joh, eu nunca tinha sido dono de gato.

A escolha, aliás, foi toda dela. O nome já tava dado antes que a gente tivesse o gato, de fato. Era Fellini e pronto. A Joh não queria ter outra gata e achou lindo um casal de gatinhos, que eram cinza. Uma fêmea, outro macho. Ficamos com o macho. Era o Fellini.

E pra levar o bichinho pra casa. Ele não devia ter nem um mês de idade, mas a Joh tomou a criaturinha como se fosse filho dela e, enquanto eu buscava duas coisas fundamentais – um lugar pra mijar e um táxi – o Fellini já se acostumava com o perfume dela.

Quando a gente entrou no táxi – janeiro em São Paulo, remembah? - nuvens negras iam se formando sobre nossas cabeças como a Fiel tomando o Pacaembu. Eu queria carregar o Fellini, a Joh queria carregar o Fellini e o Fellini não queria ser carregado por ninguém. Fiquei com medo que o motorista o táxi implicasse com o gato, mas ele nem ligou. A gente também nem ligou.

Naquela época, o Fellini tinha os olhos azuis. Olhos de filhote. E a Joh me perguntando se eu tinha certeza que queria um gato. Eu achava que sim, claro, mas queria ver como é que era. Quando o Fellini chegou em casa, se enfiou debaixo do nosso cobertor laranja e lá ficou. Saí pra ir até a General-Au-Au (por que, afinal, toda pet-shop tem que ter um nome engraçadão?) e voltei com uma tigelinha de comida, comida pra tigelinha, uma caixa de areia e, claro, areia pra caixa de areia.

Coisa mais ridícula. O Fellini não sabia beber água. Metia o focinho lá e se assustava. Também não sabia o que era comida. Cagar, cagou de cara. Foi botar areia na caixinha, ele entrou lá e defecou um troção que parecia um tamarindo. Meu orgulho.

Outro orgulho: fui eu quem apresentou o Fellini à água. Deve ser por causa disso que toda vez que um de nós entra no banho, ele dá porrada na porta do boxe como se quisesse ir lá pra dentro. Claro que ajuda o fato de eu ficar lá, debaixo do chuveiro, cantando músicas pra ele (a preferida do Fellini é “Up In Smoke”, do Cheech e Chong, embora quando eu cante a música da Terezinha de Jesus, do Chico, adaptada pra história de vida dele, ele dê uns miados tristes de gaita de blues).

Agora, a Joh é a mãe dele. E o Fellini, como filho, dá trabalho todo dia. Pontuialmente, às seis da manhã, que é quando ele acorda pra brincar e acha que a gente tá acordadão e no pique. Como pai, eu sou o cara que dá comida errada pra ele – tipo bacon. Na real, eu já dei até lichia pra ele – e ele comeu. Acho que o Fellini acha que eu sou o companheiro de caçada dele. Ele gosta quando eu toco violão e, toda vez que eu saio de casa, deixo alguma música pra ele ficar ouvindo.

O mais engraçado é quando eu vou abrir uma caixinha nova de cigarro. Basta ele ouvir o barulho do celofane que ele sai de onde estiver e vem pra barra da minha calça, me puxar com as unhas. Ele sabe que eu vou fazer uma bolinha pra ele brincar. Eu sei que ele vai brincar com a bolinha por 5 minutos e depois vai perdê-la, mas também sei que ele vai achar a maldita bolinha ao toque de despertar, às seis horas da manhã, e vai ficar ciscando em volta dela até um de nós acordar e dar atenção pra ele.
Tudo bem que não dá mais pra deixar papel higiênico no lugar do papel higiênico, tudo bem que ele suba no teclado no meio da noite e fique tocando músicas do John Cage. Tudo bem que ele ponha a Joh de castigo uma vez ou outra. Tudo bem que ele tenha pego um casaco meu pra ele – é a escada pro alto do armário. Tudo bem que ele já tenha quebrado um dos vidros de casa e quase tenha me arrumado treta com os motoboys da pizzaria. Tudo bem que eu cague tijolos cada vez que ele dá um “MIÔU” daqueles que ele dá no meio da madrugada.

Tudo bem.

Foda-se.
Ele é tipo meu filho.
O gato do ano.
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25.11.09

sobre juvenal urbino e sobre prestar atenção no caminho




foi vendo juvenal urbino morrer que reconheci meu medo.
as últimas palavras dele: “deus sabe o quanto eu te amei” e seus olhos arregalados num brilho final que nunca mais haveria outra vez.

deus dá sabedoria pra gente quando ela não nos serve mais pra nada.

com a gente foi o contrário: ele nos deu na hora certa.
esse é um presente tão fantástico que dá medo.
ele é palpável de tão real.
por isso, me dá esse medo.
medo de morrer.

falei disso com você outro dia e não queria que isso soasse tétrico porque não é.
é um cuidado extremo.
você não me dá margem pra que eu tenha medo de que meu amor acabe antes do fim da vida.
é essa plenitude que você me deu que me faz ter noção da finitude da vida, diante do amor que não acaba nunca.

As vezes, quando eu volto pra casa, tenho medo de dar uma bobeira qualquer e me aconteça alguma coisa que vá te preocupar.
Não é um medo pensado.
É irracional e eu o reconheço como tal.
No meio do canal dedicado a você, que fica 24 horas por dia no ar, é como se entrasse a vinheta do plantão da globo.
É um “e agora?” de bobagem.

Mas é bom que seja assim.

Um beijo teu sempre me faz prestar mais atenção no caminho.
Ele me deixa mais esperto e mais voltado pro que realmente interessa.
Talvez isso me valha uns três ou quatro anos a mais de vida com você.
Só por prestar atenção e ter medo que coisas atravessem no caminho.

(daí, você, que esteve off o dia todo, trabalhando, chega)

Sent at 2:08 PM on Wednesday
Joice: Homens q beijam esposas antes de sair de casa, vivem 5 anos a mais e ganham salários maiores.Tb sofrem menos acidentes de trânsito.
leu, né?
me: num tinha lido
mas
caralho
Joice: digo, leu agora hahahaha
me: vc não faz idéia de como isso encaixa no texto
(marido chorão)
Joice: =*
me: *=
parece que eu escrevi, esperei vc chegar pra terminar de escrever
pra vc terminar de escrever



acho bonito esse jeito que a gente anda junto
a gente parece trapezista
eu posso fechar os olhos e pular no abismo
e vc vem e me pega no ar
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26.10.09

bom dia, noiva


cheguei em casa, enchi aquela caneca, a mais velha de todas, com água e nescafé – porque uma vez você me disse que era bom sempre ter nescafé em casa, pras horas em que não se tem café.
programei um minuto e fui olhar pela janela.
o mesmo mundo – agora novo.
olhei pra mim, na aliança.
meu rosto redondo e dourado, feliz.
acendi um cigarro.
o microondas apitou e eu trouxe a caneca comigo.
no caminho, peguei o celular.
my morning elegance.
“acabei de chegar em casa, beibe.
To na janela vendo o sol nascer,
ouvindo os pássaros de são paulo
pela primeira vez, com aliança.
Bom dia, noiva.
Teu noivo
(este seu eu ^^)
ama MUITO você.”

enviei
celular vibrou dizendo “mandei”.
e depois virou dizendo “acorda”.
era o despertador.
parece sonho,
mas eu tô acordado.

o computador finalmente liga
a claro finalmente conecta
e o firefox finalmente abre
não tem mais a foto da Joice menina de avatar na página dela.
abre a foto da joice mulher.
minha mulher.
vou ver o que ela diz e ela postou uma foto da gente com as alianças
e, abaixo, um link pro último texto sem aliança, aquele que fala das alianças.

ela disse: “Pra quem leu o texto do @tucori http://bit.ly/7OgWE, aqui estão as alianças (L)”
e eu disse: “a cor roxa, as listras, seus pés, o poste que serviu de alvo pras bolinhas e o começo do lugar por onde o gigante vinha - onde, uma vez, inundou tudo. você, eu, o universo e tudo mais. amo você, noiva. (L)²²²”
e depois: “acima, meu primeiro post/tweet, com aliança ^^”
e depois, ainda: “abaixo, noivo. abaixo.”

(alá. o errado ficou certo)

bom dia, noiva.
amo você e essa vida que você me deu, vida.
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23.10.09

comprei as alianças, beibe




elas não são as mais preciosas que existem, não são nem as mais bonitas e talvez nem fiquei bem nos nossos dedos.
isso não tem a menor importância.
não exista símbolo que valha tal significado.
o mensageiro não é importante.
você sabe de onde elas vieram, você sabe por que ela vieram de onde vieram e sabe, sobretudo, o significado de cada coisinhas que fazem delas NOSSAS alianças e não simplesmente... alianças.
Fiquei inseguro às vezes, te confesso.
Fiquei mil vezes inseguro por causa do valor que eu já vi gente dar pra isso. É que cada um tem seus próprios preços e seus próprios valores pra colocar nas coisas. È como o Louback disse no texto hoje, o texto dele que eu achei do caralho. É preciso haver cumplicidade.
Achei lindo o texto dele e, quando você ler, você vai entender o porquê. Provavelmente você vai lembrar do que eu te disse sobre aquela pichação de “mais amor” que tem espalhada por SP toda. Minha vontade é dizer “obrigado. tô satisfeito”, mas cito aqui as últimas palavras no nobre doutor Spock: “as necessidades de muitos sobrepõe-se às necessidades de poucos”.
Fico feliz por que cumplicidade não é uma coisa que a gente precise encontrar. Eu tô há meses tentando escrever um livro, você sabe. Não consigo. Vou escrevendo devagar porque eu quero heróis que sejam cúmplices e, por mais que eu me esforce pra fazer com que eles sejam no livro, e eles sejamos nós, a gente é muito mais sem nem precisar olhar um pro outro.
Fico feliz que tenha alguém falando disso, porque é vital falar disso, e fico ainda mais feliz que seja tão bem dito como é dito pelo Louback. Ele provavelmente vai ficar orgulhoso em saber que eu chorei da primeira até a última linha – porque ele começa falando de tênis vermelho e termina dizendo que é “nós X mundo” e, nessa briga, na boa: pau no cu do mundo.
deixa eu te contar de hoje.

fui gravar nossos nomes nas alianças.

não sabia como fazer isso, onde fazer isso. achava que só o lugar que vende a aliança é que grava a aliança quando você compra a aliança – e compra lá. (percebe: eu tô gastando a palavra “aliança”, mas é que a caixinha azul delas tá aqui, aberta e o tempo todo eu vou lá olhar – do verbo “botar a mão” – pra elas. a repetição é um símbolo pra essa ânsia. você entendeu)

tava aqui buscando no google um lugar onde se grava nome em aliança.
achei um cara perguntando se alguém sabe escrever em mordor porque ele quer gravar o nome dele em mordor na aliança (alá). achei uma página tosca que dizia “veja aliança com o nome JOYCE gravado nela” e pensei – porra! – desenha mais, deus! peguei o endereço da casa das alianças na avenida são joão, botei a caixinha no bolso e o mp3 no ouvido, dei play no johnny cash e saí pra rua – vestido de preto.

quem diz que o google sabe tudo nunca teve a idéia de perguntar nada pra algum funcionário de banca na praça da república.
o cara me disse: “você entra nessa rua e vai reto. tem uma galeria lá no fim. lá tem um cara que faz isso pra você”.
a rua que ele apontava pra mim era a mesma rua em que a gente foi andando na primeira vez que você veio pra cá e a gente parecia aquela capa do “freewheelin’” do bob dylan.
segui as coordenadas e achei, sem problemas, o mesquita.
o mesquita tem o processo dele pra gravar em aliança. eu devia ter anotado o nome, mas esqueci. ele não escreve à mão. ele usa uma máquina manual. o mesquita disse pra mim que, se fosse pra escrever à mão, ele ficaria contente em indicar um amigo dele que faz isso até em aliança de anão.
pensei assim: talvez não fique tão bonito, mas é em letra de forma e, se eu pudesse, gravava em arial unicode ms, normal, tamanho 14. Preta na sua, roxa na minha. E botaria um ^^ nas duas.
fechado: vai em letra de forma.
o mesquita – eu sei o nome dele porque a loja dele chama “mesquita” – é cheio de pergunta. acho que ele faz isso com todo mundo que vai lá comprar aliança ou gravar nome em alianças (tá vendo?).
ele me encheu de pergunta.
fui deixando ele me dissecar pra ver o que ele ia conseguir tirar de dentro de mim. você sabe: isso é uma espécie de autobiografia em duas vias. ele põe a verdade dele em xeque e tenta por a minha também. no fim, a gente vê quem foi que tocou quem, agradece e vai embora.
não gravei os nomes da gente.
gravei outra coisa e tô morrendo de vontade de te contar o que foi, mas não vou não. vou fazer do jeito que eu faço, que é te dar uma dica difícil e deixar você praticamente saber, sem ter certeza absoluta.
são seis palavras – três minhas, três suas – em cada uma delas. seis palavras da letra de uma música que é um símbolo também. três pra mim, três pra você. essas palavras vão ficar no fim de nossas cicatrizes.
pronto.
entreguei.
então: são essas palavras e a data de 24/10/09.
isso quer dizer o seguinte: eu vou chegar aí no dia 23 e só vou deixar você ver no dia 24. por sorte, eu vou chegar às 23h30 do dia 23, então você só vai precisar esperar meia hora. você pode até tentar usar o argumento do “mas nós estamos no horário de verão”. use.
eu aceito.
aliás: eu preciso que você faça isso – ou eu mesmo faço.
o mesquita ficou com medo que não coubesse. na minha coube direitinho. na sua, que é menor, ele tinha as dúvidas dele.
falei pra ele “toca em frente que cabe”.
ele não sabia como eu sabia – nem eu sabia como eu sabia – mas eu sabia.

enquanto ele escrevia na sua, eu fritava o peixe e olhava o gato. ficava olhando a minha aliança e prestando atenção se ele tava escrevendo certo na sua. Ele agarrou no primeiro zero da data, o zero do 10.
Disse pra ele: “agora é dar espaço, botar outro zero e um nove”.
Ele me olhava com cara de o.0.
O Mesquita me disse que a imensa maioria – aquela que equivale à praticamente todo mundo – de gente que vem procurar por ele é de casal que se conheceu pela internet. Tinha alguma coisa nisso que tava deixando ele intrigado.
O Mesquita é um cara legal. Você vê isso logo que conversa com ele. Ele não tenta te enganar, não quer arrancar seu dinheiro e o que você quer fazer é mais importante pra ele que o que ele pensa em fazer. Ele simples assim: e é um cara legal.
A conversa com ele tava indo tão franca (eu resumi aqui - ainda tem coisa que eu vou te contar depois) que ele não viu mal nenhum em me perguntar: “por que você escolheu conhecer uma pessoa pela internet?”
expliquei pra ele o seguinte: “não é que eu ‘escolhi’ conhecer pela internet. a gente tem meios e meios de conhecer pessoas. internet é só um deles”. minha impressão de quando te conheci ainda é a mesma de “por onde você andou?”. acho que a gente poderia ter se conhecido em outra vida, mesmo que nós dois fôssemos gatos, e, ainda assim, a gente, nas palavras imortais de walt whitman “soaria nosso urro barbárico sobre os telhados do mundo”.
daí, ele terminou a sua aliança e ficou um tempo irritante olhando pra ela, com uma cara de encafifado, que fazia minha ansiedade borbulhar em bile.
ele me deu a aliança.
percebi que uma letra “E” tinha saído esquisita.
ela tinha saído deitada.
parecia um M.
mostrei pro mesquita , ele achou isso também e disse que ia tentar arrumar.
enquanto ele botava a aliança de novo na máquina, eu fiquei pensando.
ele dizia que ia tentar corrigir, mas...
pedi pra ele deixar eu olhar de novo.
não era um M que o “E” deitado parecia.
parecia...
parecia um...
parecia um... ^^
você vai ver: é igual.
se eu tivesse pedido pra ele botar um ^^ na aliança, ele ia dizer que não é possível.
a gente faz umas coisas tão impossíveis quando a gente não sabe que elas são impossíveis, né?
disse pra ele que eu queria daquele jeito mesmo.
“deixa assim, caramada”.
a gente tem que saber reconhecer os acidentes felizes.

daí, chegou um cara e ficou plantado atrás de mim. não parecia cliente. parecia o cara com quem o mesquita costumava tomar cerveja depois do trabalho.
daí, ele me estendeu a mão preta de sujeira e calejada de trampar duro e me disse “rapaz, foi muito bom conversar com você. obrigado pelo papo”

eu me enganei. não era o tipo de conversa na qual uma das pessoas terminava agradecendo. era o tipo de conversa em que DUAS pessoas terminam agradecendo.
e eu agradeci.
botei o fone de ouvido e tocava “man in black”, pra me lembrar porque é que eu me visto de preto.

daí, quando eu passei por trás do caetano de campos, no caminho pra casa, tava tocando “in my life”.
e na parte que diz “and in my life... i love you more” eu beijei o nó do dedo da mão esquerda em nome de tudo que me é sagrado – ou seja: você.
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22.10.09

poltrona 42




onde ela está não há sombra de deus.
entretanto, deus está em todos os lugares
justamente porque ela também está
nas músicas de johnny cash
no perfume da lavanda
na cor roxa
no chocolate com menta
no chocolate sem menta
no pistache
no queixo
no flango
no damaishco
no josé, do drummond
no josé - cuervo, ouro
no sorvete de leite de soja
no ônibus sabino subino de ponta cabeça
no dia de cosme e damião
no talento com passas
no acidente do batone
no batone - em geral
em iemanjá saindo do mar
num esquimó com gorro felpudo
nas listas cinza e branco, branco e preto, branco e preto, branco e preto, branco e preto, branco e preto, branco e preto,branco e preto, branco e preto, branco e preto,branco e preto, branco e preto, branco e preto,branco e preto, branco e preto, branco e preto,branco e preto, branco e preto, branco e preto,branco e preto, branco e preto, branco e preto, vermelho, vermelho.
em borboletas pousadas no vidro que uma pedrada rachou
na lycosa esmagada do lado da porta de entrada
em dois índios
no castelinho
na costelinha
na bolinha
na buzunguinha
na salutaris
na neve no teto do banheiro
no cabelo da sheila da caverna do dragão,
no corinthians e no flamengo
nas sunday morning songs
nas love handles
num anjo pornográfico
num ruy castro, claro
naquela música dos carpenters que o sonic youth regravou
em silent hill
na neblina
nas montanhas
no ruço que desce
em balões que sobem
no odair josé
na rodovária
no amanhecer
nos escravos de jó
nos sinos da consolação
num all star vermelho
nas spatódeas que me espirraram na cara
no caminho pra liberdade
na música de mistery, alaska
na irlanda
em new orleans
na mãe de lestat
nos totens que caem e quebram
no entei e no hentai
no mishto
no x-bacon
nas paineiras
nos novos baianos
no velório de michael jackson
no sotaque carioca
no "meu" paulista
no "meu" possessivo
no número 42
nos filmes que a gente deixou pela metade
na caixa de blues
em sobrancelhas circunflexas
num shiu
num lick
num wuub
em tudo
(inclusive nas coisas
que eu vou lembrar
depois de ter publicado)

ela é a desculpa que deus dá
pra poder se dizer onipresente.
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14.10.09

At Last (ou “Como você, um disco de Etta James e os pés de Muhammad Ali salvaram a minha pele”)





Tem um disco da Etta James que se chama “At Last!”.
É de 1960 e tem sido minha obsessão mais recente.
Baixei esse disco num dia bem atípico.
Tinha uma música nele que eu queria e foi com ela que tudo começou.
Era sexta-feira e eu estava usando coturnos.
Não usava fazia um puta tempo e, depois de ter passado um puta frio nos pés na quinta, porque minhas meias molharam com a chuva, eu não queria dar sopa – nem pro azar nem pra prováveis frieiras.

“Trust in me” era a música da minha obsessão.
Little did he know.

Na real, minha obsessão–mor tem sido outra e já faz tempo.
Chama-se Joice Viana Mendes.
Em menos de 24 horas, a gente estaria junto e isso me maravilhava ainda mais que o disco.
Isso fazia com que o disco – e o universo e tudo mais – fizesse sentido.

Desde o começo da semana, eu vinha andando na rua com pés de Muhammad Ali.
Essa era outra de minhas obsessões menores.
Viciei num jogo de Playstation 2, o Fight Night.
Adotei o Ali como avatar e já faz um tempo que venho construindo minha carreira com ele. Esse dias, beirando as raias do ridículo, depois de ganhar honrosamente de Roy Jones Junior (Jones Junior – nome de pugilista), comemorei a vitória sobre Calvim Brock como se fosse eu quem tivesse levado aquelas porradas todas e apelado pros clinches como eu apelei.
Só que foi nocaute – depois de SEIS knock-downs pra mim.
Quer dizer, pro Ali.
Quer dizer: foda-se.
Eu gritei, pulei e até abri cerveja.
Foi patético, mas... caralho... foi do caralho!

Só que eu andava roubando.
Na madrugada anterior, eu lutei contra um desses lutadores que o computador inventa.
Não lembro o nome dele, mas o filha da puta era o cão pra cair.
Eu tava levando a luta pro décimo primeiro round (achei que eram doze, mas não sei), tendo ganhado TODOS eles até então, quando o cara virou a mesa e eu tava, pela terceira vez, apelando pro clinche.
Pausei o jogo, meti o dedo no botão e desliguei sem salvar.
Pau no cu.
O caralho que ele ia me derrubar.
Não ali, não agora e não numa noite perfeita daquelas quando tudo que eu queria era dormir em paz pra sexta chegar logo.

Então, quando eu acordei, a primeira coisa que eu fiz foi ligar o jogo e cobrir o Oscar de la Hoya de porrada, que é pra isso que ele tá lá (não é?).
Foi um massacre sem tamanho e era só isso que eu queria.
Eu já tinha feito mercado, a cerveja já tava gelando, o café tava pronto.
Enchi uma caneca e liguei o mp3.
Calhou do disco começar justamente com “Trust In Me”.
Esqueci a caneca cheia em cima da pia e fui trabalhar.

Devo ter exercitado o TOC de verificar se a porta ficou realmente trancada umas três vezes porque, quando o elevador chegou no térreo, já tava tocando a música seguinte, “A Sunday Kind Of Love”.
Cara.
Eu me sentia um puta cara de sorte pelo seguinte: as melhores músicas que existem ou são tristes pra caralho ou são felizes pra caralho.
Em ambos os casos, eu gostava delas mais do que jamais gostei.
Quando elas eram felizes pra caralho, eu gostava porque eu ando tendo motivos pra ser o cara mais feliz do mundo – então, elas fazem sentido.
Quando elas eram tristes, elas me deixavam ainda mais felizes – porque eu não precisava conviver com aquele tipo de tristeza.
Era como se eu visse um quadro de uma paisagem com neve e pudesse achar a neve linda – e não sentir frio.

Eu não me engano – eu ia andando pela rua com os pés de Ali, os ouvidos em Etta James – e ia contando as bênçãos, uma a uma, e agradecendo por todas elas – com um coração devoto a mãe de todas elas.

Quando cheguei pra atravessar a Amaral Gurgel, tava tocando “Tough Mary” e a música me fez pensar ainda mais na Joice. Eu já vinha pensando que esse era um disco que ela precisava ter e, com essa música, a coisa ficou irrevogável.
Ela tem batida de rock’n’roll e meus pés de imitar Ali dançavam impacientes, esperando farol fechar.
Quando ele fechou, um carro verde parou depois da faixa de pedestres e eu fui, decidido a passar por trás dele. Esse carro verde tinha um bagageiro daqueles de capô e, em cima desse bagageiro tinha duas escadas e um feixe de canos pretos, de plástico, maiores que o comprimento do carro.
Pulando com os pés de Ali, com Etta James no ouvido e a cabeça em Petrópolis, eu fui.

Não sei por onde foi que a sensação chegou primeiro, mas quando vi, já tava com a mão esticada, tocando o feixe de tubos de plástico que tinha se aproximado ameaçadoramente demais pro meu gosto da minha têmpora direita.
Não sei de onde veio esse reflexo.
O carro verde tinha resolvido dar ré pra tirar o bico do cruzamento com a Major Sertório e provavelmente esqueceu o tamanho das paradas que carregava no bagageiro do capô.
Eu estava em outro planeta, mas botei a mão neles como quem apara um cruzado sinistro daquele lutador que eu não sei o nome, dei dois ou três passos pra trás, com os pés de Ali.
O motorista do carro, de olhos arregalados, pediu desculpas quando eu olhei pra trás. Meneei com a cabeça, como quem diz “esquece, não foi nada” e continuei.
Meus ouvidos voltaram pra Etta James e a música que tinha acabado de começar. Reconheci logo no primeiro acorde.
Se você conhece esse disco, “At Last”, você sabe qual é a música que vem depois e eu não preciso dizer onde estava minha cabeça.
Ela não estava esparramada em pedaços embaixo do Minhocão e isso me bastava.
Eu contava minhas bênçãos e estava feliz pra caralho porque a mãe delas estava pra chegar.
Faltava pouco e aquela música me dizia tudo que eu queria.

Quando cheguei na Praça da República, a faixa título me acertou como um raio. Tem um gesto que eu faço sempre que uma coisa me é sagrada, que é beijar o nó do dedo da mão esquerda e, todo dia, quando eu passo lá atrás do Caetano de Campos, repito esse gesto.
Naquele lugar, quando esse disco não era tão velho assim, minha existência foi viabilizada pra, depois – bota aí “quarenta anos depois” – ela ser justificada.
Naquele lugar, começou a tocar “At Last”, a música, cuja letra diz o seguinte:

“At last, my love has come along
My lonely days are over
And life is like a song
Oh, yeah, at last
The skies above are blue
My heart was wrapped up in clovers
The night I looked at you
I found a dream that I could speak to
A dream that I can call my own
I found a thrill to rest my cheek to
A thrill that I have never known
Oh, yeah when you smile, you smile
Oh, and then the spell was cast
And here we are in heaven
For you are mine
At last”

Enfim.
fim.

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27.9.09

Bizgunzo é você


"Bizgunzo". Morri. (about 3 hours ago from web)





Bizgunzo foi uma palavra que o américo e eu inventamos pra assustar os outros.
a gente botava o cano de aspirar a piscina na boca – um cano de uns três metros de comprimento - e a palavra ia sair ali adiante. era como se o darth vader dissesse “bizgunzo”. uma palavra que a gente inventou e achou engraçada, que toda vez que a gente falava, a gente ria que nem bobo. isso, claro, acabou gerando um problema, porque a gente não conseguia assustar ninguém.
vai.
tenta.
diz “bizgunzo” em voz alta.
diz como se fosse assustar alguém.
é, só que com a voz do darth vader.
percebe?
a gente até assustava. mas o ataque de riso subseqüente era tão inevitável, que a gente sempre acabava sendo descoberto.
acabava que tinha mais gente pra assustar que pra ser assustada e ataque de riso já é difícil de controlar. em grupo, é pior ainda. ainda mais quando tinha o pulha do anjinho, que peidava sob pressão. nem fedia. era só de efeito moral. mas vai lá você. tenta numsimijá de rir depois daquele “prôc” que ele fazia.
tenta.
bizgunzo virou verbo.
(“bizgunzaram tudo que tinha aqui” ou “e aí? bizgunzô?”)

bizgunzo virou um estado d’alma.

era quase como se a gente pudesse dizer o que não se pode ser dito.
sabe aquilo que a gente não consegue dizer, porque se conseguisse, eu conseguiria dizer pra você o tanto que eu te amo, exatamente, e você saberia que isso é o céu e todo o resto é inferno. você saberia. porque se eu dissesse o que eu não posso dizer, não seria preciso dizer – estaria lá – existe, vive e é.
bizgunzo era quando as coisas pareciam estar certas, a gente parecia estar ganhando e não era preciso nada pra continuar feliz assim. era um momento que se repetia. um pensamento bom. um acidente feliz. a ligação certa da pessoa certa, na hora certa, dizendo “oi, beibe”. bizgunzo é quando o raio cai no mesmo lugar, pela enésima vez, mas – uau – é tão do caralho quando ele faz isso.
se eu fosse douglas adams, buzgunzo seria 42.

você é aquilo que te faz feliz de verdade.



(com o tempo, bizgunzo, passou a ser nome de pau.
mas, veja bem.
isso não desmerece o caráter divino da coisa. a gente era tudo homem brincando de macaco. homem não pode dar nome pra um deus, que já vai logo chamando o pinto pelo mesmo nome.
macaco come banana.
banana é bom.
monkey see, monkey do.
do be do be do)

como eu ia dizendo:
você é aquilo que te faz feliz de verdade.

vê hoje, por exemplo.
domingo, 27 de setembro, 2009.

dá pra dizer que o dia hoje foi bom?
claro que dá.
eu seria um imbecil ingrato e filho da puta se dissesse que não.
você sabe o porquê.
encontrei o amor, a amizade e um novo irmão
e o meu caminho eu escolhi.
e cantei pro mundo,
pra todo mundo ouvir
que eu fiz a minha vida sorriiiiiiiiiiiiiiiiiiiiir.
(desculpa. tava cantando)

só que teve outra coisa.
eu tinha um cartão telefônico.
podia te ligar.
dizer “beibe, eu amo você”.
aí, sim.
bizgunzo.
wuub.

é.
little did he know.
uns acidentes são felizes.

o cartão travou.
que nem o publicador.
só que ele deu aquilo que a gente sempre pede: tempo.
pelo menos ali, no cartão telefônico, o tempo parou.
tudo que eu mais queria.
tempo parasse naquele momento, quando você diz “oi, beibe”.
e ele pára.
quase pára.
tá.
parei.

mas olha, beibe: foi isso que eu disse pra ju que admiro em você.
foi naquele dia em que eu achei que ela era você, pela primeira vez.
disse que conversar com você parecia aquela cena em “peixe grande”
em que o tempo para, as pipocas ficam suspensas no ar
e, depois, o tempo corria mais rápido pra compensar o que tinha ficado parado.

hoje, a gente tem o nosso tempo e ele é isso assim: nosso.
ele é inútil quando não tem você.
quando tem a gente, o tempo ainda anda devagar, mas anda.

por isso, quando o cartão travou na unidade 41, foi o céu, com deus, anjos e tudo.
por um tempo que eu não esperava ter a gente pôde conversar.
sem pressa.
por uma unidade 42.
infinita como a saudade, que acaba e, daí, acaba de acabar e fica infinita de novo.

42.

deus cada um tem o seu.
mas douglas adams só tem um.

o que eu quero dizer é.
não que eu não estivesse feliz antes
mas AQUELE feliz não é nada
perto desse feliz de AGORA.



ps: bizgunzo me lembra buzunguinha, buzanga, buzi que, você sabe, parece a gata do américo.
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3.9.09

o falso e imenso vazio




“calma. tá tudo bem agora”, diz o entei.
eu acredito nele, de verdade.
tá tudo bem agora.

o aluguel tá pago – falta, é claro, ir até a imobiliária
e deixar o cheque,
mas que tá pago, tá.

acabei de encontrar o proprietário do apartamento
e ele me trata como filho.
um filho que dá mesada pro pai,
mas, ainda assim, um filho.

tá tudo bem agora.

eu disse pra ele que tá tudo bem.
ele é baixinho e não dá pra deixar de pensar
que é por causa disso que eu apanho tanto banheiro quando acordo.
armário baixo,
box baixo,
espelho baixo.

bending down,
not kneeling over.
that’s a fact, jack.

ontem, num momento ruy castro desses da vida,
tava lendo uns contos zen
e vi uma história de um monge que atingiu a iluminação suprema
mordendo um galho de uma árvore.

ele tava dependurado lá,
preso só pelos dentes e, daí,
chega um monge mongo e pergunta:
“como foi que você chegou à iluminação”.
mongo.
ele devia perguntar quem era ele
antes de chegar até ali.

pra saber o que você tem
você precisa saber o que você não tinha antes.

é como um sonho
se a gente olhar diretamente pra ele
ele se desfaz
como um peixe que pergunta “o que é água?”
porque ele nunca viu nada além de água
e há tanto dela que ele nem sabe ver que água é tudo.
tudo.
de tão imerso, ele perde noção do imenso.

não dá pra gente olhar e ver onde a gente tá.
quando a gente consegue, chama epifania.
é bonito e é raro.

não é justo e nem bonito tecer comparações entre passado e presente,
mas, às vezes, você olha pro mundo, de rabo de olho, e isso salta aos seus olhos.
é inevitável.

resistance is useless.

você percebe que havia margens antes,
mas agora não há.
você percebe que havia limites antes,
mas agora não há
você percebe que você era doente antes,
mas agora não é.

talvez nunca tenha sido.
talvez agora – só agora – você tenha se tornado o que sempre foi.

habitue-se com isso.


(pra Joh, com amor)
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20.8.09

36 anos




Hoje é o dia do meu aniversário.
São onze horas da manhã e eu não gravei a mixtape que eu me prometi gravar.
Tem problema não.
Tô fazendo faxina aqui em casa e pensando na vida.
Hoje de manhã, não era nem oito horas, eu tava de pé.
Esqueci de desfazer os despertadores todos, programados pro meu primeiro dia de trabalho na Record.
Meus pais me ligaram e deixaram uma mensagem falada no correio de voz do celular.
Sabe lá Deus quando eu vou poder ouvir.

Não era nem nove horas da manhã e eu achei que era uma boa hora pra sair e ver o mundo.

Fui naquela loja de cama, mesa e banho que desde mudei pra cá queria ir.
Como o que tem de mesa em casa não conta como tal, comprei coisas de cama e de banho.
Comprei duas toalhas novas, uma roxa e uma azul e vermelha, e agora, posso jogar fora as toalhas velhas.
Só não vou jogar aquela que ganhei do Billy Ficca, do Television porque não é todo mundo que ganha uma toalha branca e limpa do Billy Ficca.
Ela não tá assim tão branca e nem tão limpa, mas, mesmo assim fica.
Ficca.
Comprei dois travesseiros novos e não vou jogar fora os velhos não.
Vou jogar aquele de espuma porque nem travesseiro de albergue é tão xexelento.

Não tem uma única roupa suja aqui em casa.

Levei na lavanderia e prometi pegar amanhã.
Deu 60 reais a conta.
A Rejane, que trabalha lá, olhou o tanto de roupa que eu tava levando e perguntou “mas faz tempo que você não lava roupa, hein?”.
É.
Fazia tempo. A última vez foi no final de março.
Depois, foi tudo pedindo emprestada máquina de lavar da Calu e voltando da Japurá até aqui equilibrando três sacolas que me faziam andar de um jeito bem esquisito.
Assim como aconteceu com Bob Dylan, as pessoas achavam que eu era mendigo.

Meus pais ligaram.
Provavelmente estavam no carro.
Ligaram do celular e falaram rapidinho.
Eu tava tomando café e comendo biscoito de leite, na janela, embasbacado com o email que recebi da Joh, dando bom dia e fêliz aniversário.
A foto que ela me mandou é a coisa mais linda do mundo.
Peço perdão a ela por usar o “coisa mais linda do mundo” outra vez, mas não existe nada mais lindo no mundo, em lugar nenhum e foda-se.
Meu mundo é outro e foi ela quem deu pra mim.

Logo mais vou tomar banho e ir até a Jovem Pan, me despedir dos amigos que ficaram lá. Fiquei uma semana correndo atrás de documentos e acabou que saí de lá sem me despedir de ninguém. Liguei pro André ontem pra avisar que ia porque pelo menos ele tem que estar lá. Não só porque ele é um dos melhores e mais brilhantes amigos que eu fiz por lá, mas também porque eu vou poder pagar a grana que eu devo pra ele desde o ano passado.

Lembrei do anúncio de jornal do Mike Dolan.

Lembrei também daquilo que o Tony me falou quando foi aniversário dele, sobre o número 12. São doze meses no ano, são doze apóstolos de cristo, doze lápis pra colorir e doze garrafas de Heineken na geladeira. O Tony disse que a vida se move em ciclos de doze e, naquele mesmo dia, aconteceu uma coisa sensacional que, perdão, eu não vou explicar agora – posso dizer que vi minha namorada e meu melhor amigo conversando através de mim, como se ela tivesse um jeito de estar presente sempre e, às vezes, brincasse de bomba relógio. Campbell, que usava meu banheiro naquela época, concordou com o Tony nessa coisa sobre o número doze e disse que é preciso balançar com as ondas.

Fiz doze anos em 1985.
Ano que o mudei de colégio e fui pra um mundo maior. Saí do Centro Educacional Júlio Pereira Lopes e fui para o Colégio Anglo Latino. Ano em que o Tancredo Neves morreu e, puta merda, o Sarney acabou presidente. Fim da infância

Fiz 24 anos em 1997.
Foi o ano em que saí da faculdade e caí no mercado de trabalho. Fim da molecagem. Um ano antes, eu tava pra ser mandado embora da 89 porque, embora funcionário contratado, ainda me sentia meio estagiário. Em 1997, firmei o pé. Isso teve seu preço, mas eu aprendi.

Agora, em 2009, completo 36 anos.
Fecho assim, mais um ciclo de doze.

Os últimos anos foram terríveis, mas tiveram uma coisa de bom – eles passaram.
Este ano teria sido uma bosta sem tamanho, mas não foi.
Eu poderia chorar mil coisas aqui, reclamando disso ou reclamando daquilo, mas não.
Este foi um ano em que eu comecei lendo “Espere pela primavera, Bandini”, do Fante. A parte final do livro, quando o Fante descreve a chegada da primavera, ficou gravada no sangue. Rosa Pinelli morta, um cachorro meio lobo meio cão de caça, chamado Jumbo e um floco de neve em forma de estrela derretendo nas costas de sua mão.
O fim dos dias tensos.
O fim dos dias tristes.
Vou tomar banho e levar pra igreja as roupas que separei pra doar.
São três sacolas grandes e pesadas.
Ainda maiores que as sacolas de roupa suja.
(Foi só falar na igreja que o sinos do meio dia começaram seu espetáculo diário – meio dia, 20 de agosto de 2009)
Chegou um sms da Joh dizendo que, se o Submarino for legal, ganho meu presente ainda hoje.
Respondi pra ela que não se enganasse.
Tê-la em meu futuro é o melhor presente que poderia haver.
Eis tudo.

Feliz ano-novo, Fernando Tucori.

PS: Pra provar que, às vezes, o que a gente pensa que é tudo é quase tudo, meus pais me ligaram de volta agora, da casa da minha avó. Botaram dona Iracema na linha e eu chorei de alegria como uma criança por ouvir o “Deus te abençoe” dela.
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18.8.09

refernando




teve um dia que me aconteceu uma coisa parecida com essa que eu tô sentindo agora.
não sei explicar o que tô sentindo agora, mas talvez consiga explicar o que senti naquele dia.
talvez, por meio daquilo, eu consiga falar
porque, porra!, eu PRECISO falar que o mundo mudou.

foi assim.

eu tava num sonho, mas não sabia que era um sonho.
(é sonho no sentido literal de sonho sim - eu tava dormindo)
era um sonho daqueles bem comuns, tipo “estou olhando pela janela do apartamento tentando achar alguma coisa diferente, mas tudo é igual ”.
era bem um sonho desses e foi por aí que ele me intrigou.
isso gerou um daqueles paradoxos que o cérebro da gente não aceita e acaba fazendo com que a gente acorde.
eu olhava pela janela do apartamento,
sim,
mas não tava tudo igual.
mesmo em sonho, eu sabia disso.

havia um perfume.

perfume de roupa de cama esturricada pela secadora.
roupa de cama de hotel.

é.

tem isso, mas tem mais além disso.
sei bem o que é.

é o perfume.
AQUELE perfume.
aquele,
do envelope vermelho.

ela.

estou na janela do apartamento.
não estou sozinho.
not anymore.

ela estica uma caneca de café pra mim e acende um cigarro.
comenta sobre nossa elegância matinal.
estamos nus.
estamos na janela do apartamento.
sinto o perfume dela e não estou sozinho.
eu estou em casa.
ela é minha casa.

sim.

não estamos nus.
não estamos na janela.
não estamos nem no apartamento.
eu que estou sonhando.
abro os olhos.

era um sonho.
não é legal desmerecer sonhos.
porém não dá pra deixar de dar o devido crédito pra realidade.

quando acordei daquele sonho, ela estava ao meu lado, na cama, já acordada.
tinha estado me olhando dormir.
ela sorria.
ela sorria.
ela
sorria.
acordei do sonho e fui dar direto nos olhos dela, apontados pra mim.
acordei do sonho, um lugar onde eu poderia ter tudo que quisesse e vim pro mundo, ver que tenho mais que jamais sonhei.

quis dizer isso pra ela, mas não sei se consegui.

acredita em mim: a gente fica completamente sem palavras quando acorda de um sonho e saca que a realidade é bem melhor.

é como... despertar do meio dos mortos.

é como aquele primeiro sonho que tive com ela,
em que ela quebrava o vidro que me separava do mundo.

ela me deu o mundo.
só faltava a mim ter olhos pra vê-lo.

reparou o tempo verbal do verbo “faltar”?
a gente que escreve faz isso, às vezes, de se entregar nos tempos verbais.

o mundo mudou.
não.
mudou nada não.
o tempo todo e alá eu esperando a chance de dizer pra ela:
“beibe, o mundo mudou”.

agora que finalmente posso dizer isso, não faz mais sentido dizer.

o mundo já estava mudado antes.
o mundo mudou quando passou a haver ela nele.
e agora ele combina tão bem com o sorriso que ela me deu.

obrigado, beibe.
obrigado por TUDO.
amo você.
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3.8.09

em nome de todos os cafés que deixamos de tomar



Deixa eu te contar como foi.
Começou cedo.
Acordei e fui - com a cara amassada que nem um pão de queijo – dar bom dia pra Joh.
Talvez eu tivesse sonhado.
Não lembrava bem.
Lembrava que naquele estágio entre os “soneca” do despertado, houve um instant-dreamshot em que a Miss Piggy, pessoalmente, havia ligado pra ela e o Homem de Poucas Palavras atendeu e usou com a MP a palavra número três, no chinês: “vatomanoku”.

A Joh teve um sonho daqueles sonhos silent hill que ela tem.
No sonho, ela morava em uma casa gigante na Tijuca, que na casa tinha um cofre, que ficava no quarto da irmã dela. Era cofre de abrir com chave e havia, de fato, uma chave, só que tava quebrada, porque, quando ela tava na fechadura, acendia uma luz verde, que indicava que você era a coisa a certa a se fazer.
No entanto, o cofre não abria.

Quando ela falou cofre, eu lembrei do Menon.

O Menon estudou comigo no INDAC e vivia dizendo que eu tinha o temperamento do Touro Ferdinando, um desenho de Walt Disney em que um touro é levado pras touradas em Madrid, mas ele não quer lutar – só quer cheirar as flores.
Lembrar do sonho me fez procurar o desenho de novo no youtube pra assistir.
Então, esse é o Menon.

Ok, agora o seguinte: como diabos, quando a Joh falou de cofre, associei ao Menon?

Tisplico.
Quando o INDAC mudou da Franz Schubert pra Pompéia, os alunos ajudaram no que puderam. O Menon e eu fomos dois dos que se aventuraram a ir naquele dia de carpintaria em que o INDAC foi, finalmente, tomando sua primeira forma.
Eram duas casas e, numa delas, bem no alto e bem no fundo, tinha uma sala que – pensando bem – era muito parecida com o primeiro quarto onde eu morei depois de sair de casa.
A tal sala era relativamente pequena, tinha uma varanda enorme – que meu primeiro quarto também tinha, mas, também, tinha outras três coisas que meu quarto não tinha.
A saber: um armário embutido, carpete no chão e um cofre de parede.
O cofre e o armário ficaram lá por um tempo ainda, mas coube a mim e ao Menon tirar o carpete de lá.
Como fazer isso?
Surpresa.
A gente começou arrancando prego por prego, mas, depois de um tempo me deu no saco aquele trabalho de louco manso e eu arranquei o carpete todo, aos puxões, como se estivesse arrastando pela juba o leão da Neméia.
Não foi nenhum bicho de sete cabeças, como a Hidra de Lerna, e acabou sendo rápido como a corça de Cerínea.
Saímos sujos de pó como se limpássemos, com nossas roupas, o chão das cavalariças de Augias.
Com uma fome de javali do Erimanto, a gente cagou pros outros trabalhos todos e foi comer.
Fomos comer aqueles beirutes que pareciam pizza e, depois, durante o cigarro da digestão, ficamos falando que, caralho!, a gente tinha trampado tanto que aquela sala tinha que ter o nome da gente.
(Ingenuidade nossa. Na época, a gente ainda não sabia que as coisas não funcionavam assim. Veja só: tempos depois, eu tive sair da aula pra comprar cimento pro Maucir terminar o banheiro. Disse a ele que ia sim, desde que ele pintasse uma estrela de camarim com o meu nome na última portinha do banheiro multiplex que ele tinha inventado. Vê lá se tem a tal estrelinha? Mas eu fui lá comprar o cimento, não fui?)

Então, por isso que o cofre me fez lembrar do Menon.
Porque a sala do cofre era nossa.

Fim.

Não.

Que fim o quê.

Foi só pra explicar como o cofre levou ao Menon e como foi que, quando a Joh falou de cofre, eu lembrei, out of the blue, que tinha sonhado com o Menon.
No sonho, a gente se encontrava por acaso, do nada, no meio da rua e dizia que tinha visto que ele estava em cartaz com uma peça nova, que tinha até saído no jornal, bem comentada.
Daí ele disse que, se eu quisesse, era pra aparecer pra assistir, porque ele botava o nome na
lista e nem eu nem a Joh, iríamos pagar nada.

Ok.
Foi esse o sonho.

Velox me fodeu e a Calu ligou logo depois, dizendo que era pra eu ir pra casa dela porque ela queria me mostrar todas as 600 fotos que ela tirou em Maceió e Natal, na primeira viagem que ela fez, só ela e a filha, a bagunceira da Vitória.

Fui pra lá

Meu caminho sempre foi pela Caio Prado até o rabo da Augusta, pra depois virar a direita na Praça Roosevelt e, depois, à esquerda na Santo Antônio.
Fiz diferente.
Sei lá porque motivo no mundo, resolvi fazer outro caminho e fui pela Gravataí (oi, @gravz), que me leva direto da Caio Prado pra Praça Roosevelt.
Veja bem: não é exatamente um atalho.
É só mais um caminho.

Só que, nesse caminho tem um teatro.
Tem um teatro neste caminho.

E aconteceu que, quando passei em frente desse teatro, no mesmo exato momento, o Menon saiu de lá de dentro pra fumar um cigarro.
O Menon!
O MENON!
(porra)

Eu parei.

Olhei.

Pisquei os olhos.

Pisquei mais meia dúzia de vezes pra ter certeza de que aquilo estava acontecendo de verdade e o Menon pareceu ter tido a mesma idéia e piscava do mesmo jeito.
Paramos ali, acendi um cigarro também e contei pra ele sobre o sonho, sobre a conversa com a Joh e sobre como aquilo me parecia mágico.
Daí, ele me disse que eu não sabia da missa a metade.
Ele estava ali porque ia estrear uma peça em instantes e saiu só pra fumar um último cigarro antes de entrar em cena.
Tava nervoso pra caralho –“muito texto e pouco ensaio” – mas o Menon sempre fica nervoso pra caralho antes de qualquer estréia e, no fim, é sempre genial.
Como ator, bem eu sei o tanto de “bom presságio” que a gente procura pelo caminho antes de uma noite de estréia.
Aparecer na frente dele, do nada – e ainda dizendo que sonhei que ele tava fazendo uma peça, que tava sendo bem comentada na imprensa e tudo mais – é meio aquilo que todo ator espera pra confirmar a surpresa de que é feita a profissão.
Ele ainda disse: “cara, se eu paro pra tomar um café lá dentro, a gente nunca ia ter se encontrado”.
Mesma coisa eu.
Se eu não tivesse feito aquele “outro caminho”.
Se o Velox não tivesse me fodido.
Se a Calu não tivesse me ligado.
Se eu tivesse passado na padaria pra comprar cigarro.
Se as coisas não tivesse sido como foram, a gente não estaria ali.

Cada floco de neve cai justamente onde deveria cair.

Da porta do teatro, berrei pra ele um “MERDA” tão alto que ribombou lá pra dentro.
Menon entrou pra estréia enquanto eu continuava indo pra casa da Calu.

Cheguei no prédio dela, dei meu nome na portaria e fui subir, imaginando o quanto da vida da gente não é um cafezinho que a gente deixou de tomar.

Elevador chegou e, quando pisei nele pra ir pro segundo andar, ele afundou como se eu tivesse o peso de um touro Ferdinando, cheirando o perfume de todas essas flores que a Joh faz florir no caminho que existe entre eu e eu mesmo.
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31.7.09

prestenção, porra





Aqui na rádio tem a Verônica, que faz faxina.
Primeira vez que bati o olho nela, ela tava batendo papo com o Fernando, que trabalhava ali no estúdio do meio e fiquei meio encantado com a mania dela de chamar todo mundo de “filho”.
Ela já tem filhos e os filhos dela tem filhos também e foi com um filho dos filhos dela que eu tava brincando na festa de fim de ano da rádio, em 2007.
Só soube quando o moleque chamou ela de “vó” quando ela vinha chegando com sorvete de limão. Eu tava com aquele meu casaco ridículo, o laranja e roxo (acredita que, ontem, o cara da padaria disse que achou o casaco legal pra caralho?) porque tava gripado e, por isso, recusei o sorvete que ela ia me oferecendo.
Mesmo assim, achei bonito ela vir trazer sorvete pra mim e pro neto dela.
Eu me senti, de novo, com oito anos de idade, ganhando presente da vó do meu amigo.
Foi quando chamaram meu nome na bancada.
Tava tendo sorteio de prêmios e eu tinha ganhado 500 reais em dinheiro.
Não é muito, eu sei.
Mas meu aluguel também não era muito e aqueles quinhentos pagava todo ele e ainda me sobrava uma caixa de cerveja.
Não bancava minha viagem de fim de ano, claro, mas esses já eram outros quinhentos.

Tudo isso pra dizer que, daquele dia em diante, passei a achar que a Verônica dá sorte.
Hoje encontrei com ela e brinquei que ela me dava sorte e ela deu risada e disse: “que bom filho”.
O telefone não tocou depois disso – e nem podia – mas, coincidência ou não – as coisas deram uma melhorada.
Sorte.
Tem uma pá de coisas que eu acho que dão sorte.
Às vezes, quando eu quero muito alguma coisa, vou juntando todas elas pra ver se apresso a sorte.
Claro que não dá porra nenhuma de resultado e, daí, diante de todas as expectativas frustradas, eu fico pensando que existe uma coisa que dá azar e essa coisa sou eu, que tudo vai dar em merda e que é assim que as coisas são.

ok.

a gente pensa merda pra caralho e, pra quem pensa, tudo tem sua cota de razão e, quem pensa, pensa melhor parado.
Justamente isso.
Parado.
Pensar é muito parecido com fazer alguma coisa.
A única diferença entre pensar alguma coisa e fazer alguma coisa é justamente o verbo.
Pensar não é fazer.
O que a gente pode fazer é ir constatando as coisas pelo caminho como quem vai seguindo por um caminho que é sempre desconhecido e não para de olhar pra fora pra ver se reconhece alguma coisa.
A gente nunca reconhece nada.
O que a gente reconhece é a gente mesmo, lembranças de coisas que passaram, de coisas que a gente sentiu, a gente reconhece aquilo que a gente foi.
Mas tudo é a gente.
A gente olha pra vida e, caso se disponha a isso, desenha a vida do jeito que a gente quer, mas não tem jeito.
Ela, a vida, é assim.
Ela vai continuar sendo assim depois que nós formos embora.
A vida é engraçada e é desgraçada, como escrevi numa carta pra Joh, depois de assistir “Sukyiaki Western Django” - carta esta, que ela ainda não leu.
A vida é engraçada e desgraçada e, às vezes, ao mesmo tempo.
As coisas vão melhorar sim, porque nós vamos melhorar.
Porque nós vamos seguir adiante e, se der merda, a vamos ficar até o final e aturar o parabéns.
A gente finge que é mau, mas não passa de um bando de moleque mijão, morrendo de vontade de voltar pra dentro da barriga de mamãe
Dizer que não as coisas não vão melhorar é como dizer que estamos mortos.
E você sabe: nós não estamos mortos.
Estamos apenas brincando de piratas.
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21.7.09

pequenos contos do bosque do museu imperial




foi em 1995, que, em virtude das comemorações dos 100 anos das relações entre brasil e japão, o bosque do museu imperial recebeu novos habitantes: dezenas e dezenas de cerejeiras.
os esquilos do bosque acharam a notícia nojenta em um primeiro momento, mas esquilos são ansiosos e nem sempre ouvem as palavras certas. quando souberam que se tratava de cerejeiras, as árvores onde nascem cerejas, aquietaram-se e jamais contaram pra ninguém que, num primeiro momento, entenderam que o bosque ia receber uma nova população de varejeiras – o que, neste caso sim, seria nojento.
a cerejeiras, no entanto, cativaram a todos os moradores do bosque na ocasião de sua chegada. corteses como são as cerejeiras, forraram o chão com suas flores enquanto as carpas explicavam para quem quisesse ouvir que as cerejeiras simbolizam o amor.
as carpas conheciam as cerejeiras dos velhos jardins do japão do período edo e, por isso, serviam de intérpretes e ensinavam tanto as cerejeiras a se entenderem com os outros habitantes do bosque quanto o contrário.
o problema era um só: as camélias.
antes da chegada das cerejeiras, as camélias eram tidas como as flores mais notáveis do bosque e, evidentemente, não ficaram nada contentes com a concorrência.
verdade é que as camélias começaram a maldizer as cerejeiras e o resto do bosque, porque as árvores são sábias como o tempo, ria das camélia e, em coro, cantava o jingle de um velho comercial de papel higiênico. os pinheiros balançaram ao vento, achando que era natal de novo e as azaléias – que, embora pouca gente saiba, são fatalistas como só elas – diziam com voz de menina ranheta: “acabou o natal”.
ao fim do coro, uma carpa branca e cega – que provavelmente não assistiu “pelé eterno” e, portanto, não sabe a hora de parar – saltava a ponto de levantar seu corpo todo acima do nível da água da fonte em que vivia e, com sua boca de peixe, ria em glubglubês e repetia “CU”.
lá no alto um atento bem-te-vi reparou uma lágrima verde correndo por entre as camélias e, alcoviteiro que é, gritou “BEM-TE-VI” pra todo bosque ouvir.
um casal de namorados que passeava por ali, sobre o carpete de flores que as cerejeiras deixavam, olhou pra cima no mesmo momento e, em um pensamento alquímico, respondeu ao bem-te-vi: “bem assim, nunca viu não”.
então, indiferentes ao ruço que descia o morro, as árvores todas farfalharam suas folhas num riso, silencioso e sábio como o tempo, que parecia um sinal da chuva que viria.
chuva que, de fato, veio.
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7.7.09

o dia em que meu avô morreu




Eu tava indo pro trabalho, tinha tentado ouvir “A Kind Of Blue”, mas o dia estava lindo demais praquilo.
Botei Arnaldo Baptista, “Loki?”, e o Arnaldo ficou.

Eu tenho um mundo imaginário no ponto de ônibus.
Mais que um mundo imaginário.
É uma espécie de céu.
Eu acho que ali, naquela poça d´água, pode haver um céu.
Me deixa.

É uma poça d´água rasa com uma parte mais funda.
O desenho dela me lembra um mundo, porque tem dois continentes, tem umas ilhas interessantes e sempre tem um corpo estranho boiando na água.
Dependendo do livro que eu estou lendo, é um morto diferente que mora lá.
Na ilha tem sempre um Marlon Brando, no mar tem sempre um Humphrey Bogart a bordo de um Santana.
O resto varia.
Sempre deixo pra jogar o cigarro naquele céu imaginário.
Sempre é o segundo cigarro, que é aquele que faz o ônibus chegar.
O primeiro é o que chega com você no ponto e o segundo é aquele que, tão logo você acende, o ônibus passa e te obriga a jogar fora depois de dois tragos.
Aí, eu fico pensando em como é que eles agem por lá.
Teve um dia que eu joguei o cigarro e ele ficou na ilha do Marlon Brando.
Na maioria das vezes, ele se apaga no mar.
Naquela quarta, joguei o cigarro e ele quicou de volta pra minha direção.
Subi no ônibus, com a passagem trocada na mão, pensando “legal, eles têm campo de força”.

Tinha lugar pra sentar, mas demorou porque tinha uma tia gorda que não achava o dinheiro e dois capiau não sei de onde, um mostrando pro outro as maravilhas do bilhete único.
Só que o Arnaldo tava cantando “Cê ta pensando que eu sou loki, bicho?” e eu não tava nem aí.

Quando “Loki?” acabou, eu ia entrando na Paulista e achei que era boa idéia ouvir Bruce Springsteen já que era bem provável que eu apagasse tudo do mp3 no fim do dia, então, era ouvir naquela hora ou nunca.

E foi justamente quando eu estava em pé na porta, ouvindo na introdução de uma música que eu não lembrava qual era, mas que eu achava fantástica, é que o telefone tocou e era minha irmã dizendo que era melhor eu correr pro hospital.

Quando cheguei lá, ele já tinha ido e a menina da recepção não me deu permissão pra subir.
Disse que meus pais estavam descendo, mas quem desceu foi só meu pai e ele, enorme do jeito que é, me deu um abraço forte, me botou de pé, me indicou o quarto e, então subi.

Vi minha irmã, com os olhos tristes, depois vi meu irmão, consternado e então, quando a parede do corredor acabou, vi meu avô, pálido, com a boca aberta como se tivesse sido por ali que sua alma deslizou rumo ao céu.

Um céu azul daquela quarta-feira, dia 28 de novembro.

Quando ia pro hospital, por volta das duas da tarde, já sabendo que meu avô havia morrido, olhei pro céu de lado a lado e não vi uma única nuvem.

Rezzieri Tuccori foi pro céu em uma tarde de céu de brigadeiro.

Minha primeira reação foi pegar a mão do meu avô, que era uma coisa que há anos eu não fazia.
Olhei os seus dedos.
Aqueles mesmos dedos que se enlaçaram em meus cabelos nos melhores anos da minha vida.
Aquelas mãos que fuçavam nas coisas, como meu pai faz, como eu faço e que minha mãe chama de “mãozinha de seu Rezzieri”.
De joelhos, eu ainda tinha a esperança infantil e boba de conseguir devolver o calor ao corpo dele com as minhas mãos.
Os pulsos largos.
Ele morreu com a mesma boca aberta que ele dormia depois do almoço, antes do jogo do Palmeiras.

Foi só depois de me despedir dele que pude ir cumprimentar meus irmãos.

Logo, minha mãe chegou e nós tivemos que sair do quarto pra que as enfermeiras vestissem o corpo do vovô com as roupas que minha mãe havia trazido.

Coisa mais tenebrosa ver uma infinidade de bilhetes com instruções para o enterro, escritos ora na letra do meu avô, ora na letra de minha avó, papelada do jazigo no cemitério do Morumbi.
Saber que minha avó já se chamou Iracema Gabrielle, que o sobrenome polonês da minha bisavó é Draminski e que Amaral Gurgel é meu parente, além de fazer esquina com a rua em que eu morava antes.
O pior, porém, foi voltar pro quarto e ver o meu avô todo amarrado pra que, quando a fada do rigor mortis passasse, ele estivesse na posição em que passaria a noite no velório.

Antes que nós descêssemos para o necrotério, que é onde o corpo seria colocado no caixão e levado para o velório, minha irmã e eu nos despedimos dele com um beijo na testa.

Mesmo não querendo, fomos comer alguma coisa e minha irmã quase ficou doida comigo, porque eu só queria comer em algum lugar que tivesse Malzbier pra vender.

Tinha que ter Malzbier.

A primeira vez que eu bebi cerveja junto com um adulto da minha família, foi em Poços de Caldas, de frente pra praça do coreto, com meu avô.
A gente tomou Malzbier.

Isso é coisa que nunca se esquece.

Voltei pro hospital e fui, avisando, aos poucos todo mundo que precisava avisar.
Na rádio, eles já sabiam.
Faltava avisar na peça.
Teríamos apresentação na quinta, seria justamente o dia do enterro e eu não sabia – mesmo – o que seria daquele dia.
Honestamente, não poderia dar nenhuma previsão de como ia me comportar.
O que eu sentia, não cabia em mim e o que pude fazer foi assumir isso.
Sentia uma dor de cada vez e olhava para cada uma delas com olhos curiosos.

Minha mãe estava na morgue, ao lado do corpo coberto por um lençol, atrapalhada, tentava resolver as questões de ordem prática.
Os sapatos não cabiam nos pés do meu avô e eu não conseguia sair de perto do corpo.
Eu tinha uma vontade legítima de deitar ao lado dele.
Tive que sair pra telefonar pra Virgínia e avisar o que tinha acontecido e dizer que não sabia como seria. Se eles conseguissem alguém, ótimo, mas, caso não conseguissem, que me fizessem saber.

Quando chegou o carro com o caixão, veio junto com ele um homem tinha sido pago pra cuidar daquilo. Ele me pediu ajuda pra botar meu avô no caixão. Disse que não fazia mal se a gente o deixasse sem sapatos porque o caixão ficaria fechado na parte de baixo e ninguém repararia. Peguei meu avô pelas canelas e quando aquele cara o levantou por baixo dos ombros, me deu vontade de socar tanto a cara dele, mas tanto, que...

que bobagem.

Lembrei de quando eu era bem pequeno, não sei nem se minha irmã já era nascida, e meu irmão e eu pegamos o guarda-chuva dele e ficamos jogando de um lado pro outro, com ele no meio, tentando pegar.
Num momento, vi que ele cansou.
Não fazia muito tempo que ele tinha sido operado, feito ponte de safena, e, quando percebi que ele estava cansando, parei a brincadeira.
Estendi o guarda-chuva de volta pra ele e abracei-o com tanta força que parecia que minha intenção era segurá-lo o tanto que pudesse nesse mundo.

No mesmo dia, na mesma brincadeira, descobri, ao mesmo tempo, a inevitabilidade tanto do amor quanto da morte.

Quando meu pai chegou, dei graças a Deus por meu avô já estar dentro do caixão.
Eu aceitava que o corpo dele estivesse ali, mas não podia permitir que ninguém me mostrasse que aquilo que eu não queria acreditar que fosse verdade era justamente verdade.
E não aceitava tampouco que meu pai visse.
O velório já seria sofrimento o bastante.

E veio o velório.
Aos poucos, as pessoas foram aparecendo.
Tinha uma moça que trabalhava de enfermeira da minha avó que estava devastada.
Ela me contou que achava meu avô um herói e que uma vez, no meio da noite, ela se espantou com o ânimo do seu Rezzieri em cuidar da minha avó, cuidar dele mesmo fazer piadinha e ainda rir delas mesmas.
Ela sabia que ele sabia que tinha câncer.
Ela não entendia como é que ele lidava com aquilo.
“Eu tenho uma coisa muito ruim dentro de mim, então, eu não posso dar folga pra ela”, ele disse.
E ela chorava.
E eu chorava.
E diz que minha avó, quando ele saiu de casa pra ir pro hospital, dizia: “tá na hora, Rezzieri, tá na hora!”.
E, quando ficou bem tarde, meu irmão me deu carona pra casa e, ao contrário do que eu esperava, foi fácil dormir e foi mais fácil ainda acordar com o primeiro toque do despertador no dia seguinte.

Entrar no metrô de manhã me deu desespero.
A fila pro embarque na linha azul já começava no andar de cima, no desembarque da Sé.
Pensei: foda-se.
Espremi, fui espremido, mas consegui chegar em cima da hora.

O cemitério do Morumbi parece uma coisa de outro mundo.
Um imenso descampado, cheio de árvores, clareiras e moscas varejeiras do tamanho de canários, que voam contra o sol e cagam uns pinguinhos prateados que somem antes de chegar no chão.
Se você achou isso nojento é porque não viu os caras que desceram o esquife.
Caralho.
Eu queria pegar aquele caixão com os meus braços.
Queria EU fazer isso e não aqueles corvos.
Dava a impressão que, se meu avô levantasse e pedisse pra sair do caixão, eles eram capazes de bater nele com as costas da pá e prosseguir o funeral.
Pensei no meu pai.
Não fiz nada.

Duas horas depois, eu estaria na Dirce, lá no fundo da galeria da rádio, onde ela faz fundo com a alameda Santos, tentando, com um x-bacon e uma Malzbier, empurrar de volta pro estômago o gosto ruim que era esse de um mundo sem o seu Rizzieri.

Não consegui.

Uma semana depois, eu tava encostado na parede do ponto, esperando o ônibus passar.
Fazia uma semana que meu avô tinha morrido eu tinha tido três sonhos com ele.
Então chegou um sujeito no ponto de ônibus.
Era o tipo de cara que dava pra fazer piada.
Terno branco bem grosso, pulôver verde e branco, óculos falsificados que todo coreano vende no stand-center e aquele ar de tédio inconformado com a vida.
Uma tristeza imodesta e fútil.
Eu olhava pra poça d´água e perguntava se o seu Rizzieri já havia chegado no céu.
E se aquele céu que eu imaginei que fosse de Marlon Brando e Humphrey Bogart fosse o céu dele também?
Foi então que o ônibus elétrico chegou, bem sorrateiramente como ônibus elétricos normalmente fazem, meteu a grande roda da frente dele na parte funda da poça e jogou uma onda de barro, pó e lama em cima do terno branco do sujeito no ponto.

Daí, eu soube.
Seu Rizzieri não só tinha chegado no céu como também já tinha feito amigos por lá.

Agora sim, o céu era céu.



(obrigado à Joh por ter me inspirado a resgatar este texto e terminá-lo)
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23.6.09

sobre perder e achar tampas



acho que era isso que precisava mesmo: uma coisa, bem de merda, pra me deixar bastante PUTO e eu ainda poder recobrar a consciência rápido, justamente porque aquilo que ocasionou foi justamente uma coisa bem de merda, que nem vale se importar.
já digo antes de qualquer coisa: perdi a tampinha da porra do mp3player, aquela que segura a pilha nele.
perdi.
de besta.
acabou uma pilha no meio do caminho, eu parei pra trocar e, quando parei pra voltar uma música – vim ouvindo chico – a tampinha não estava mais lá.
voltei parte do caminho tentando encontrar.
pareceu tão inútil que achei melhor voltar.
já tava conformado que haveria a necessidade premente de ir ao stand-center e tentar explicar pra um coreano que – não, eu não quero comprar um mp3player inteiro – eu quero só a tampinha e meu dedo ia descendo pro botão vermelho onde diz “foda-se” , quando uma outra luz vermelha piscou.
eu me senti um malandro velho do chico, que aposentou a navalha e agora chacoalha em um trem da central e, dizem as más línguas até que trabalha em horário comercial.
me dá um verdadeiro cansaço de alma, um cansaço fodido de alma, se eu ficar aqui, com os pés na merda, olhando em volta, tentando me aprumar.
as coisas deviam ser mais fáceis.
eu tento não acreditar na tv, não deixar de discutir com o jornal – saber que jornal é qual jornal e pra que time ele torce – e também não deixo de olhar meus amigos, as pessoas em torno de mim, que trabalham comigo.
gente que tem que ganhar dinheiro apenas e tão somente pra sustentar a família.
daí, eu olho e vejo que o lula seria reeleito se pudesse fazer um terceiro mandato.
(eu, que não voto desde a época em que a cássia eller era viva.)
cara, isso dá cagaço.
não dá cagaço que o povo reeleja o lula não, porque eu não acho que ele faça tanta diferença assim. o lula é o bebum gente boa do bar. daqui um tempo, vai ter gente lembrando da época em que, dos trapalhões, a gente foi governado, oito anos, pelo mussum. ele é um zaphod beeblebrox, só que com cabeça nenhuma. ele é gente boa, eu queria ser amigo dele, queria beber e jogar bola com ele e, só por eu não poder fazer nada disso, eu sou contra ele. eu sou mimado assim. mesmo. e seria são-paulino também – e ia demitir o muricy.
não me senti malandro nenhum.
o adoniran, lá na peixoto gomide berrou alto e, de onde eu tava, quase no fim da frei caneca, já atravessando a rua e dando por encerradas pra sempre as buscas pela tampa do mp3player, foi fácil de ouvir: “neziste malandrage não. oqueziste é fome”.
daí, eu pensei por um minuto.
fome.
eu sabia que, quando chegasse em casa, ela estaria me esperando com o perfume de quem saiu agora do banho, com os cabelos meio molhados, com a janta feita e dois pratos postos na mesa, com uma almofada pra cada um – um do lado do outro, encostado no sofá, apanhando um atrás do outro dos zumbis (que eu sei que não são zumbis) de silent hill. depois, eu sabia, a gente ia assistir um filme, um filme fodido, denso, nicholas ray, e dormir no meio dele e, se enroscar um no outro no caminho pra cama, e prometer que termina de ver o filme amanhã – e cumprir.
e, nesse minuto em que fiquei pensando, sem nem pensar, tirei o elástico roxo que me prendia o cabelo e enrolei segurando a pilha, como se fosse a tampa do mp3player.

assim, consertei minha vida.








(mixtape acompanha?)
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17.6.09

we belong together





existem músicas pra tudo, eu acho. se eu tivesse que escolher uma música pra esses dias, ela seria “every little thing shoe does is magic”, mais pelo título que por qualquer outra coisa (é, eu escolho músicas pelo título, às vezes).
vê ontem por exemplo.
ontem que eu digo, embora nas minhas medidas de tempo possa ser “anteontem”, tecnicamente é ontem. porque eram duas da manhã e eu tava enroscado com o finalzinho de um texto pra go outside.
o texto todo tava redondo, fala sobre celebridades que inventam de fazer esportes radicais pra divulgar causas nobres, mas faltava o finalzinho dele.
normalmente essa seria a hora de pegar um café e ir pra janela, de cigarro e canequinha – tchupléc-tchuplim – olhar o mundo.
isso se não fosse mais de duas da manhã e eu não precisasse acordar cedo no dia seguinte pra uma reunião que eu tinha medo que me cortasse o couro em tiras e servisse como torresmo na feijoada de quarta, que é hoje. eu sabia o que ia acontecer se tomasse café as duas da manhã: ia ter música alta e dança da enceradeira até o dia clarear. a reunião de manhã cedo (onze da manhã é cedo pra caralho) fazia com que isso fosse posto fora de questão.
quando eu vi, já tinha aberto o pacote de tubinhos, tinha desistido do cigarro e mastigava um deles no canto da boca. sabe aqueles tubinhos doces (tem os azedos também, mas estes são doces)? então: esses tubinhos.
nemplanejeinada.
nem deu tempo de chegar à janela e a mágica aconteceu.
voltei ao computador e fechei o texto de vez.
como de costume, não enviei.
deixei pro dia seguinte.
fui dormir e acordei com aquela camiseta verde, aquela com um perfume encantadoramente familiar, grudada no rosto, por baixo do travesseiro.
vim aqui ver o texto e parecia que outras mãos tinham brincado com ele.
enviei.
lembrei então do meu pai, no sábado, brincando que nem criança. e lembrar é só um modo de dizer, porque você não esquece uma coisa dessas de jeito nenhum.
as reuniões de ontem foram longas e foram boas e, nem de longe, meu couro se sentiu ameaçado. voltei pra casa ouvindo beatles de novo e desci uma rua antes da peixoto gomide dar na frei caneca, só pra passar no meio daquela nano-festa-junina que a gente viu no domingo.
ontem, antes de dormir, levei nelson rodrigues pra cama e, deitado lá, vi um cachecol preto pendurado por cima do meu casaco bicolor no mancebocop.
ainda sentia o calor daquela conversa sobre a beleza dos pronomes possessivos e o verbo “pertencer” fez-se indubitável quando me enrolei no cachecol pra dormir.
o mesmo perfume familiar.
acordei ainda enrolado nele e, agora, o perfume que havia nele está em mim e eu não quero tomar banho.
dizer que fui dormir e acordei pertencendo a você seria bonito, mas também seria mentira, porque eu já pertencia antes.
bem antes.
dia a dia, minha impressão é que minha vida toda me levou até aqui, onde estou agora, e pertencer a você não foi uma escolha.
é uma constatação tácita.
você sempre teve razão: resistance is useless.
eu pertenço a você.
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4.6.09

a dream about johnny

"well you may throw your rock and hide your hand
workin' in the dark against your fellow man
but as sure as god made black and white
what's down in the dark will be brought to the light"


(johnny cash - "god's gonna cut you down")




tempos atrás, tive um daqueles sonhos especiais, daqueles que, por mais que você esqueça os detalhes, sempre vai lembrar que sonhou. sonhei que ia ter um show do david bowie, ao pé do morro que fica ao lado da piscina do hotel esplêndido em poços de caldas e, porque o sonho era meu, eu ia participar do show, fazendo segunda voz em “white light/ white heat”.
depois, burroughs me veio em sonho e, com dedo em riste, proclamou uma frase: “learn in the streets”.

ontem, tive um outro desses.

deve ter sido porque, antes do beijo de boa noite que me botou na cama pra dormir sorrindo, eu tava brincando de cantar “ring of fire” na versão karaokê que achei nos cds de backup, mas sim: johnny cash apareceu.

o engraçado é que no sonho, eu já sabia que ele viria e isso gerou uma confusão daquelas que só acontecem em sonho. queria que ele autografasse meu “live at folsom prision”, porque, dentre os cds que eu tenho em forma física, é o mais bonito.
era engraçado porque eu não estava em nenhum lugar conhecido.
estava em uma espécie de taverna, com mesas rústicas de madeira, compridas, com bancos igualmente compridos, também de madeira.
lá, naquela taverna, estava a cômoda com meus cds, que nunca saiu da casa dos meus pais e, por mais que eu procurasse, não achava o dito cd.

não lembro como cash chegou, mas quando vi, já estava lá, vestindo preto, tocando com o meu violão, que, pelo menos no sonho, tinha todas as cordas.
o violão que eu estava usando, apesar de não saber tocar nada – nem em sonho – era parecido com o meu primeiro violão, exceto pelo fato de ter doze cordas.
lembro de, no sonho, ter olhado pra todas aquelas cordas e pensando “pra quê um violão com 12 cordas se, no máximo, eu uso três delas?”.
ele tocou “ring of fire” e eu fiquei tentando fingir que fazia alguma coisa quando, na real, só ia fazendo a segunda voz no refrão.

sem o cd na mão, pedi um autógrafo no meu bloquinho de escrever nanocarta e, quando ele me perguntou se era pra mim, eu disse que era pra você – a mim bastava ter tido o sonho.
ele assinou com seu nome lá no alto da folha.

eu tinha noção que era um sonho e pensei daquele jeito que se pensa em sonho, que você nunca sabe se fala pra dentro ou pra fora e, no fim, não faz diferença nenhuma – provavelmente foi uma daquelas frases que você fala alto, dormindo, acorda com o som da própria voz e nunca mais lembra do sonho que teve.

“acho que alguém lá em cima gosta de mim”, eu disse.

foi aí, que ele levantou os olhos do violão, parou a música com os dedos no pescoço e apontou o olhar pra mim como se estivesse a fim de pregar minha alma na parede do outro lado da sala.

“olha, filho. se deus é o que dizem que ele é, então alguém lá em cima gosta de você. independente de qualquer coisa, mesmo que você nunca tenha perdido nenhuma pessoa que te ame, alguém lá em cima sempre vai gostar de você”, ele disse.

estendeu a folha branca com seu nome em cima e o nome dele embaixo e, com os olhos, bateu o prego: “fique feliz porque alguém aqui embaixo gosta de você. isso, filho, é que é o céu”.
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11.5.09

rachando pedra ao meio com um jato de mijo



Tava conversando com a Joh ontem e, out of the blue, tocou “I've Been Everywhere”, do Johnny Cash. Ela deu um pulo da cadeira e foi ver de onde vinha. Vinha do filme que a Globo tava passando, que eu acho que era “O Vôo da Fênix”. Eu tava com preguiça de ligar na Globo e botei pra tocar toda a pasta “Johnny Cash” na mesma hora.

Daí, lembrei do caso do Paxá com o Johnny Cash.

Foi numa viagem de reveillon que a gente fez pra Ilhabela. Acho que foi no fim de 2003, quando Cash morreu. Tinha levado pra lá um CD com músicas sortidas do homem de preto, gravadas aleatoriamente, direto do HD, só pra ter um CD do Johnny Cash que fosse descartável e que, se não sobrevivesse à viagem, tudo bem. Você não leva a sua edição de luxo do “Live At Folsom Prision” pra uma viagem onde tudo pode acontecer, leva?
Acontece que o Paxá e eu temos uma rusga histórica no que diz respeito à música. Ele insiste em ficar tocando as mesmas músicas de sempre, que ele grava em fita na Kiss FM e eu insisto em jogar as fitas dele dentro do mar, pra ele não encher o saco fazendo a gente ouvir sempre as mesmas músicas do Led Zeppelin, do Jethro Tull, do Iron Maiden e tudo mais.
Minha birra não é com nenhuma das bandas citadas, mas apenas e tão somente com a insistência das rádios em manter um playlist estreito.
Também nem é com isso, porque, pra isso é simples: é só não ouvir.
O que me irrita é ter um cara, de 65 anos de idade, que grava isso e vem me mostrar achando que é bom.
Não.
Não é bom.
Só que, pra se fazer a linha do “se você não deixa eu tocar minhas coisas, eu não deixo você tocar as suas”, ele não queria – NEM FODENDO – que eu botasse o CD do Johnny Cash pra rolar.
Ele dizia que era música country e que ele não gostava de música country e fim.

Nesse ponto da conversa, a Joh estampou um “sacrilégio”, com o qual concordei sem piscar, mas não comentei, porque o melhor da história viria a seguir.

Uma tarde, o Paxá ficou bêbado e capotou no sofá da sala.
Pra mim, era a oportunidade de ouro.
Botei o CD do Johnny Cash pra rodar enquanto ele dormia e a gente saiu pra ir fazer alguma coisa.
Provavelmente foi pra cachoeira ou, talvez, fazer compras.
Quando a gente voltou, coisa de três horas depois, vi uma cena que nunca mais esqueci.
O CD ainda tocava – e tocava ALTO – e o Paxá tava pro lado de fora da casa, sentado no degrau de entrada, com os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos segurando a cabeça. Ele percebeu que a gente tinha chegado, meio que tentou esconder os olhos, mas eu já havia passado por aquilo e sabia o que era. Daí, o Paxá me chamou de lado e perguntou se ele podia ficarcom aquela minha coletânea do Johnny Cash pra ele, porque ele... ele... ele... a voz afinou, os olhos ficaram vermelhos e não havia nada mais pra se dizer.

É porque você não conhece o Paxá, mas vai por mim: se o Johnny Cash conseguiu fazer isso com o Paxá, ele devia ser capaz de partir pedra no meio com um jato de mijo.

Engraçado é que, justamente depois de contar essa história pra Joh, com as músicas do Johnny Cash ainda tocando no computador, o shuffle sorteou "First Time Ever I Saw Your Face" pra tocar.
Imediatamente, parei de rir desse negócio de rachar pedra com jato de mijo e, quando fui ver, tava com os cotovelos apoiados nos joelhos, as mãos segurando a cabeça, os olhos vermelhos, a voz afinando e pareceu que dava pra sentir a terra girar com as minhas próprias mãos.
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Vamos Dizer Que eu Diga o Que Você Disse Que Diria?

(texto publicado na Coluna do Meio, do Rockwave em 09/03/2006, com uma chamada de capa que dizia assim: "Coluna do meio - Uma coluna confusa, perdida e desorientada, assim, que nem você.")




Vamos dizer que,
de repente,
eu sinta o que você quer que eu sinta,
mas vamos dizer que eu minta.

Vamos dizer que, pra dizer isso,
você teria que ignorar tudo o que você sente que eu sinto e,
vamos dizer que isso, de repente, seja fácil para caralho.

Vamos dizer que haja um atalho.

Vamos dizer que eu, de repente,
te diga bem aquilo que você tem certeza que eu nunca diria,
mas que você morre de medo que eu diga.

Vamos dizer que eu tenha lombriga.
Vamos dizer que não, mas que, talvez, eu te siga.
Vamos dizer também que seja só uma dor de barriga,
mas vamos dizer que não, que eu não diga.

Vamos dizer...

Vamos dizer que, como um sol que se apagou faz muito tempo,
esteja eu apenas reluzindo uma luz que já existiu um dia
e que só não se apagou porque ainda não acabou de se propagar.
Uma luz morta que vamos dizer que só brilha porque ainda existe ar.
Vamos dizer que essa distorção que parece legal, que parece divertida,
seja só o melancólico último acorde de uma sinfonia
que - nunca - nunca mais vai se repetir.

Vamos dizer que, de repente, eu precise sumir.

Vamos dizer que eu talvez apenas com uma vontade imensa
de copiar o primeiro parágrafo de "On The Road", do Kerouac,
porque isso tudo tem a ver com uma doença terrível
sobre a qual não vale nem a pena comentar,
exceto pelo fato de que ela tem algo a ver
com a brutal e cruel execução de tudo que um dia senti
e a vigente sensação de que tudo está morto
e o que, o que não está, é inútil.

Vamos que, de repente,
você me diz tudo que você tem em mente.

Vamos que,
de repente,
você me diz tudo que você tem.
E mente.

Vamos que, de repente, você me diz tudo de que você é temente.

Vamos dizer que,
antes disso tudo,
eu mesmo digo,
de repente.

Vamos que a gente descubra o fruto proibido
e, com ele,
a serpente.

Vamos dizer que não haja uma planilha,
que eu peça truco sem manilha,
que acabe nossa pilha.

Vamos dizer que eu mude: pra Marília
e que Marília seja o nome da minha irmã
e que eu não a vi nesta manhã.

Vamos dizer que, talvez, eu tenha sido jornalista,
que tenha sido locutor,
que tenha sido ator
e que tenha sentido dor.

Vamos dizer que eu tenha sido namorado,
que tenha sido afastado,
que tenha estado errado.

Vamos que eu sou um idiota,
com cabeça de marmota
e te chame de cocota.

Eu, que tenho sido amante,
sem que tenha sido o bastante e que,
neste exato instante,
sei que eu, não obstante,
sempre fui eu.

Distante.

Sei que fui um sucesso
e sei que fui um fracasso,
sempre sucessivamente
e sempre da noite pro dia.

Vamos dizer que fui reticência,
que não tive paciência e que
depois, me descobri um ponto.

Ah, como sou tonto...
Me dá um desconto?

Vamos dizer que seja covardia.
Mas, vamos dizer que eu já sabia.

Vamos dizer que eu tenha aprendido a entender
e que tenha aprendido a esquecer e que, por isso,
sempre isso, tenho que aprender tudo de novo,
da galinha até o ovo.

Vamos dizer que talvez eu tenha que ir embora
e tenha que ir andando agora,
antes que seja preciso correr,
antes que alguma coisa comece a doer.
Vamos...
vamos dizer.

Vamos dizer que um dia eu cansei, no outro descansei.
E aí, bati e depois corri.
E depois parei.
E depois, não sei.

É dificil falar, então que falem por mim,
mas que digam assim:
não vou vender meu peixe.

Não gosto de peixe.
E odeio vender.

Quem me quiser, que me pague pra ver.

Sei que um dia sonhei que era outra pessoa,
uma pessoa boa.

Vamos dizer que eu estivesse certo,
mas que era tudo um sonho mas,
neste sonho, havia você por perto.

Vamos dizer que dia desses eu me vi desperto,
mas vi que tudo continuava deserto.

Vamos dizer que talvez seja muito, muito cedo,
mas vamos dizer que, não é nenhum segredo,
que talvez seja só medo.

Vamos dizer que, talvez, se eu fosse seco, cínico e falso,
domesticaria minha língua para que ela dissesse "está tchudo bem",
mas eu tenho um nojo enorme de qualquer pessoa que fala "tchudo bem" e,
somando isso com o nojo que sinto de mim,
apenas digo que não tô a fim e,
sendo assim,
este é o fim.

Vamos dizer que eu morra.
Vamos dizer que não.

Vamos dizer que - porra - eu só precise...
... de um tantinho assim da tua atenção.

(para o jonathan, que me mandou um scrap no orkut pedindo pra que eu repostasse esse texto. e pra joh que deixou um scrap lá - o que me fez lembrar que existe orkut)
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