3.9.09

o falso e imenso vazio




“calma. tá tudo bem agora”, diz o entei.
eu acredito nele, de verdade.
tá tudo bem agora.

o aluguel tá pago – falta, é claro, ir até a imobiliária
e deixar o cheque,
mas que tá pago, tá.

acabei de encontrar o proprietário do apartamento
e ele me trata como filho.
um filho que dá mesada pro pai,
mas, ainda assim, um filho.

tá tudo bem agora.

eu disse pra ele que tá tudo bem.
ele é baixinho e não dá pra deixar de pensar
que é por causa disso que eu apanho tanto banheiro quando acordo.
armário baixo,
box baixo,
espelho baixo.

bending down,
not kneeling over.
that’s a fact, jack.

ontem, num momento ruy castro desses da vida,
tava lendo uns contos zen
e vi uma história de um monge que atingiu a iluminação suprema
mordendo um galho de uma árvore.

ele tava dependurado lá,
preso só pelos dentes e, daí,
chega um monge mongo e pergunta:
“como foi que você chegou à iluminação”.
mongo.
ele devia perguntar quem era ele
antes de chegar até ali.

pra saber o que você tem
você precisa saber o que você não tinha antes.

é como um sonho
se a gente olhar diretamente pra ele
ele se desfaz
como um peixe que pergunta “o que é água?”
porque ele nunca viu nada além de água
e há tanto dela que ele nem sabe ver que água é tudo.
tudo.
de tão imerso, ele perde noção do imenso.

não dá pra gente olhar e ver onde a gente tá.
quando a gente consegue, chama epifania.
é bonito e é raro.

não é justo e nem bonito tecer comparações entre passado e presente,
mas, às vezes, você olha pro mundo, de rabo de olho, e isso salta aos seus olhos.
é inevitável.

resistance is useless.

você percebe que havia margens antes,
mas agora não há.
você percebe que havia limites antes,
mas agora não há
você percebe que você era doente antes,
mas agora não é.

talvez nunca tenha sido.
talvez agora – só agora – você tenha se tornado o que sempre foi.

habitue-se com isso.


(pra Joh, com amor)
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2 comentários:

Rose Carreiro disse...

Que lindo.

Sabe quando você descobre que existe algo que você imaginava que não era 'pra você'? Daí você se descabela diante disso e fica correndo às cegas feito um porquinho da Índia tentando encontrar a casinha? Mas no fundo você sabe que é bem assim...inevitável? Então, é isso.

Beijos

Ana Paula disse...

Gostei do texto Fernando.
Estamos sempre sendo o que fomos (passado, presente, futuro, num tempo só, o agora), só que com angulações diferentes.
Algumas vezes o grau de inclinição da cabeça nos faz ter a sensação de uma nova cabeça, um novo corpo, um novo mundo. E o mais incrível de tudo é que aprendemos a mover o pescoço com as pessoas que vão passando por nossas vidas.