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27.3.09

meu dia de zaphod beeblebrox





Aquele estava sendo um dia legal. Durante a tarde, eu havia encontrado com todo o pessoal que havia se formado comigo no Anglo Latino.
A gente terminou o colegial em 1991, estávamos em pleno ano 2000 e ainda fazia sentido ver todas aquelas pessoas.
A reunião foi em Diadema, no frigórifico do pai do Alfredo e rolou um churrascão de primeira.
Lá no frigorífico ainda tinha uma diversão extra – além de roubar todo pedaço de carne que caía no prato do Duda.
Como em todo o frigorífico que se preze, o do Alfredo tinha uma geladeira monstruosa e a gente se divertiu fazendo uma prova pra ver quem aguentava mais tempo lá dentro.
Restávamos só o Luiz e eu dentro do freezer e a coisa já ia ficando feia, com as barras da calça da gente congelando, quando alguma coisa estalou na minha cabeça num som de gelo trincando.
Parecia uma voz, mas como era minha própria voz, nem dei muita atenção.
Dizia só uma palavra: “merda”.
Só que aquela “merda” não parecia ser uma merda qualquer.
Ela soava como se eu estivesse imitando uma pessoa, uma pessoa querida, distante e forçosamente esquecida.
Eu carregava o “R” com um sotaque que estava um lance de escada acima do carioca.
Tipo norte de Minas Gerais.
Mais precisamente: Montes Claros.
Repeti em voz alta - “merrrda!” - e o Luiz achou graça:
“Cê falou igual o Romildo”.
O Luiz tinha razão.
Era igual o jeito que o Romildo falava.

Romildo Ernesto Leitão Mendes.

Meu primeiro professor de teatro.
Teatro?
Eu não fazia teatro desde 1991.
Foi aí que eu saquei, naquela vaga assunção, que a LEI estava revogada.
A LEI, em vigor desde 1992, dizia que “fernando tucori vai se manter longe de teatros e/ou espetáculos teatrais até poder pagar por um curso de teatro”.
E o “merda” fez sentido.
Era aquele merda que ator usa como se fosse o “ciao” dos italianos.

Neste momento, como nos primeiros momentos de Lost, alguém abriu os olhos e inspirou o máximo de ar que pode num só golpe de pulmão.

Ia ter festa do Ricardinho naquele dia.
Ele faz aniversário todo dia 27 de março (por isso, feliz aniversário, Ri!).
Era uma sábado, 25 de março de 2000.
A festa ia ser na Zona Norte e, uma vez que minhas ralas e parcas noções de deslocamento geográfico na ZN de SP ficam armazenadas em dispositivos externos, liguei pra Vivi.

Engraçado como as coisas se acertam, assim, sem mais nem menos, né?

Eu não sabia, mas a Vivi, naquela época, tava em cartaz no teatro Dias Gomes, fazendo aquelas peças do Osvaldo Montenegro. Ela havia mudado pra Vila Mariana e, se eu não tivesse ligado, ela não teria como ir na tal festa do Ricardinho.
Prometi carona de ida e volta e, em troca, ela botou meu nome na lista pra ver a peça.

Não havia motivo que me impedisse de ir ver uma peça de teatro – pela primeira vez em cinco anos.

A peça era “A Dança dos Signos” e, pra ser bem honesto, lembro de bem pouca coisa.
Principalmente porque a parte mais importante da história (sim, DESTA história) aconteceu antes que as cortinas se abrissem.

Estava lá eu, sentado na cadeira C12, as luzes de serviço todas acesas e o público – na maioria familiares dos atores - morosamente ia ocupando seus lugares.
Quando você tenta imaginar um ruído que vai fazer arrebentar a represa do rio que você não podia deixar correr, nunca imagina que vai ser uma coisa tão besta.
Primeiro foi aquele estalo, que parecia gelo trincando.
Depois, foi aquele ranger de tábuas no palco.

No teatro em que eu comecei, lá no Anglo Latino, havia uma ponta do palco em que os atores não podiam pisar, porque ela rangia alto demais e atrapalhava tudo.
Quando o Romildo foi mandado embora do colégio, a Glória foi quem assumiu o lugar dele no teatro.
A gente botou três peças em cartaz no fim do ano e fez um festival que foi um sucesso.
Na última de todas as apresentações, aquela em que a Marina e eu fizemos um discurso lindo em homenagem ao Romildo, eu já sabia que era minha última vez naquele palco.
(Meu medo era que fosse a última – ever)
Na última cena de “Liberdade Liberdade”, fui na direção do ponto proibido, onde ficava a tábua que rangia e, com a autoridade de quem conhecia cada palmo do tablado, fui colocando meu pé sobre ela, acompanhado pelos olhos verdes e aterrorizados da Glória.
A tábua não rangeu.
Não emitiu um único ruído e, enquanto eu dava meu texto, dei um jeito de fazer com que meu olhar descesse o bastante pra ver a cara que a Glória fazia, na primeira fila.
Assim que terminei de falar, esperei que ela olhasse pros meus olhos e fiz uma leve pressão na tábua.
A tábua respondeu com um “nhec”, curtinho e preguiçoso.
Parecia o Costinha brincando com o microfone.
A Glória riu, riu muito, com aquele tipo de riso que dá trabalho pra se controlar e, no fim da apresentação, com todo mundo chorando nas coxias, aquele seria só mais um diante de uma sucessão de momentos inesquecíveis.

O teatro.

No Dias Gomes, quando as luzes se apagaram, a cortina ainda estava fechada e era possível ouvir os passos do elenco assumindo suas marcas antes do início do espetáculo.
Sob seus pés, o tablado de teatro rangia como se chorasse de uma saudade que eu, na minha petulância, achava que era minha.
Não era.
A minha saudade chorava, sozinha, ali na poltrona C12 do teatro Dias Gomes.

Aos poucos, as coisas foram voltando a fazer sentido, como se a parte de mim que estava em animação suspensa tivesse recebido permissão pra acordar e retomar as funções a que antes havia sido designada, fui abrindo os meus olhos.
Saindo dali, tive a impressão de que jamais veria o mundo daquele jeito que via quando entrei.

Fui pra festa e foi do caralho.

Poucos meses depois, com dois textos de “Liberdade Liberdade”, fazia meu teste de admissão pra entrar no Indac, diante dos olhos atentos de Lourival Brasil e Maucir Campanholi.

Do lado de fora, minha outra cabeça me esperava, ansiosa por saber o resultado que ainda demoraria quatro anos pra sair.
Foi aí, que eu tive uma sensação de que, disso tudo aí, viria muito trabalho e uma responsabilidade sem precedentes até então.
Porém, a beleza daquele momento compensava tudo.
Fui andando pela calçada roxa, forrada de flores de quaresmeira e, quando entrei no gol mais sujo do mundo e empurrei o “Halfway To Sanity” dos Ramones, com o dedo, pra dentro do toca-fitas, nós dois éramos um só outra vez.
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27.2.09

Ain't It Fun?





Vou te falar uma coisa e talvez você não acredite, mas eu toco com a melhor banda do mundo. Foda-se os Ramones e pau no cu do Motorhead. Se você tem uma banda e acha que sua banda é pior que essas duas, você que se foda, porque você não merece estar numa banda. Mijaria no seu túmulo o primeiro mijo da manhã.

A gente marcou de ensaiar hoje.

Por pouco, a coisa não virava show, porque a gente ia tocar no palco do Espaço Impróprio, lá na Antônia de Queirós, que é comadre da tia Augusta. Pensei bem e achei que nem era o caso de divulgar. Vamos ver o que ia rolar.
Mesmo porque o Terremoto Torquemada é uma banda que trabalha com o gerador de improbabilidade infinita sempre e sempre ligado e operando no vermelho.
Um dos motivos disso é o Igor. Ele veio aqui em casa. Saiu agora, faz pouco.
Faltou cerveja, é verdade. Mas aconteceu que a gente ia sair pra tomar, mas resolveu ficar e conversar. E ouvir música. E fazer a primeira reunião de repertório do Terremoto Torquemada.
A primeira reunião de repertório do Terremoto Torquemada foi assim: a gente olhou pra lista de músicas do único ensaio em que a gente fez questão de dar nome pras músicas que a gente sempre faz e, também, praquelas que a gente fez ali, de improviso. Delas todas, uma única tinha anotação. Em “Iracema”, tá escrito do lado que o Manel sabe a base. As outras ou todo mundo sabe ou ninguém sabe. Eu tenho lá minhas dúvidas. O Igor garantiu que, em pelo menos cinco delas, ele sabia a parte dele: “é um barulho que não acaba mais e segue direto”.
Sério: senti um puta orgulho do baterista que toca comigo nessa hora.
Restava saber porque o ensaio/show não tinha rolado.
O Igor disse que era pra eu ligar pro Manel e eu liguei. Ele que sabe a base de “Iracema” – e se não sabia, lembrou, porque, mostrei pra ele outra vez quando a gente saiu pra beber, na segunda de carnaval. O Manel atendeu e perguntou o que eu tava ouvindo. Era Bruce Springsteen com Jerry Lee Lewis – “Pink Cadillac”. Fingi que nem tinha falado com o Igor e disse: “e o show?”. E ele: “Não vai rolar. Não consegui falar com o cara”. O cara, no caso, é o dono do Espaço Impróprio – o lugar foi assaltado esses dias e eles estão refazendo tudo. Por isso, não rolou.
O Igor fez sinal pra mim. “Fala pra ver se ele marca outro amanhã”. Falei. O Manel disse que, agora, ele não ia conseguir falar com o dono do estúdio, mas que amanhã, na hora do almoço, ele passava lá e via com o cara se rolava da gente tocar de noite. Chamei pra vir beber com a gente e ele disse que tava de bode vendo TV. Desliguei.
Repeti pro Igor o que o Manel disse e ele rachou de rir: “Foi a mesma coisa que esse filho da puta disse pra mim! É só esse puto descer a rua da casa dele na hora do almoço e falar com o cara. Ele vai até lá e vai bater na porta. Se o cara atender, tem show. Senão, não tem”.
Fiquei me sentindo meio culpado porque eu xinguei o Igor pra caralho porque é aquela coisa: mulher são de Vênus, homens são de Marte e bateristas são de Plutão. O Igor já fez tanta merda que valeu a pena ter cunhado o termo “igrismo”.
Vou dar três exemplos e encerrar o assunto:

- Igrismo é quando você marca um show num dia, em nenhum lugar fora da sua cabeça, comunica todo mundo e não vai. E quando te ligam e perguntam: “Você esqueceu?” e você replica com um “Esqueci o quê?”
- Igrismo é quando você começa a dançar no meio de um luau e chuta uma lata de cerveja, só porque ela está na sua frente, só que ela está cheia, seu chute pega em cheio e ela passa – zunindo – entre duas mulheres. Uma delas, grávida. A outra, minha irmã.
- Existe uma comunidade sobre isso no orkut, que se chama “Igrismo – mito e realidade” . O tópico “Quem levou cano no jogo da Copa?” é bastante esclarecedor.

Um baterista Igrista e um baixista autista.
Quem precisa de mais?

É tipo isso.
Por isso que o Japonês foi pra casa puto e nem precisava.
Se o Igor tivesse trazido o tamborzinho, a gente tinha gravado outro acústico.
As coisas funcionam mais ou menos assim.
É um jeito parecido com não funcionar.
Mas funciona.
Sério: funciona.

Aí, a gente ouviu um som que a gente fez, totalmente de improviso, no aniversário do Igor, em 2006. Começa só eu na guitarra e ele na bateria, depois chega minha irmã, vem o Japonês, o Diego fica querendo que eu lembre “da música que a gente fez lá em cima” e eu praticamente tenho que desenhar pra ele que não, eu não sei de que porra ele tá falando. Depois, tem uma música que fica do caralho, mas a gente tem que parar porque o Igor fica preso nas próprias calças. Eu não lembro como isso acontece, mas o nome da música ficou sendo “fiquei preso nas minhas próprias calças”.
E tem o melhor momento de todos, que é quando a mãe do Igor vem brigar com ele porque a gente tá tocando alto demais e que os vizinhos vão reclamar. A gente gravou a discussão toda, enquanto as cordas eram afinadas. Deixa qualquer um maluco.
Não queria postar sem antes mostrar pra ele. E ele apontou uma coisa – as músicas precisam ser colocadas exatamente na mesma ordem que elas forem tocadas. O certo mesmo era botar o ensaio todo, brutão mesmo. Mas aí, ninguém merece se não pedir. Por isso, se você for esse tipo de maluco e se sentir preparado, peça, por favor. Nós não somos como os outros. Nós gostamos de você.

Depois, pra continuar no clima retardado, assistimos – de cabo à rabo – o show que os Cramps fizeram no Hospital Napa, pra doentes mentais. Eu mesmo só tinha visto o momento que eles tocavam “The Way I Walk”. Se você não viu, eu recomendo até a última raspa de tutano dos meus ossos. Aquilo sim é rock’n’roll. E nada mais. É o Lux Interior largando o microfone no chão e os birutas pegando pra gritar.

Antes que o Igor chegasse, comecei a gravar uma mixtape, que começava com “Ain’t It Fun?”, na versão do Rocket From The Tombs e eu queria dizer outra coisa, completamente diferente do que agora eu penso.
No começo, queria dizer um “Olha que legal que é”, no sentido irônico e cruel.
Aí, quando eu ouvi a gente tocando, quando o celular brilhou com aquela luz azul e me disse “a gente estava falando de você”, quando, hoje à tarde, o céu ficou inteiro cor-de-rosa e o mundo pareceu outro, eu pensei do mesmo jeito que eu pensei agora.

“Cara.... Não é legal pra caralho tudo isso?”
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