Olhos azuis (1992)

Aqui estou eu, deitado nessa cama de hospital, de barriga pra cima, vendo todos esses aparelhos que mantêm vivo. Meu corpo permanece na cama, mas minha mente visita várias épocas, pairando suavemente sobre minha adolescência.
Lembro-me daquele período em que pequenos problemas eram grandes e, no final, como num filme, tudo acabava bem. E pensar que, anos atrás, eu estava deitado nesta mesma posição pensando no que eu pensaria quando um dia como hoje chegasse.
Bem, ele chegou.
E eu estou aqui, pensando no que eu pensava naquela época.
Aquele amor... Nunca o esquecerei. O amor que durava quinze dias e ia embora. O único deles que realmente me marcou foi o daquela menina dos olhos azuis. Mesmo depois que minha esposa falecu, não consigo esquecer seus olhos. eu queria vê-los outra vez, a última vez que seja, mas queria vê-los. Tempos atrás, eram eles que me injetavam vida nova neste corpo. Agora que eles se foram, cada dia passa por mim rápido como uma adolescência.
E eu não tenho muitos dias.
Tenho poucos.
Os médicos me dão cerca de um mês de vida – eu tenho câncer.
Tenho esperanças de que, hoje à noite, a porta deste quarto vai se abrir, deixando uma pálida luz entrar e, com ela, a imagem de uma garota de olhos azuis que me levará pra viver a eternidade num infinita adolescência

(Nota: este texto foi escrito em 1992, na primeira aula de redação no cursinho – no Anglo Tamandaré – e foi inspirado na música que eu mais amava na época, que era “Pale Blue Eyes”, do Velvet Underground e, sobretudo, numa história do Homem-Aranha que se chamava “O Menino Que Colecionava Homem-Aranha”. Pelo mais absoluto acaso, encontrei juntos o caderno que tinha este texto e o gibi do Homem Aranha que continha essa história)

(Mais uma nota: procurando uma imagem que ilustrasse este texto, encontrei aqui, numa lista do site www.toptenz.net como uma das dez melhores do cabeça de teia)