18.6.08

MERDA!!




(o texto a seguir foi escrito - gota a gota - no dia da minha estréia como ator profissional no teatro, em 2003 com a peça TRILOGIA PERVERSA de Ivo Bender. Na foto, Silvio Restiffe como Fernando em "Crepúsculo" de Maurício Marques. Crédito da foto pra mim mesmo, obrigado)


estréia, estréia,
estréia foi uma típica
estréia, ou seja:
foi um rolo danado.

minha irmã foi.
ficou de fora.
o namorado dela -
querido amigo Manco -
deu mancada
esperou antes de ir pra lá
o jogo do Corinthians terminar.
terminou o jogo
terminaram as senhas
ele chegou.

Minha irmã, que é foda,
levou tudo muito na boa
nem brigou comigo.
sorte.
porque quando eu apareci
lá na entrada do Indac
estava tão desnorteado
tão desnorteado
tão desnorteado
que seria até covardia brigar comigo.


não que estivesse nervoso,
não que estivesse com medo...
parecia que, simplesmente,
eu não estava lá.

havia uma única senha comigo,
ela não serviria pra muita coisa.
nem queria pensar nessa senha
porque tinha medo
medo que as pessoas todas
viessem - todas, todas mesmo -
falar comigo ao mesmo tempo.


naquele momento,
parecia que só havia o personagem
falando sem parar na minha cabeça.

na minha cabeça...
minha cabeça pelada

passei máquina 3 na cabeça.

todo aquele meu cabelo
que adorava crescer e bagunçar
espalhado no piso
de uma barbearia da Alameda Santos,
essas barbearias velhas
que parecem ter estado lá
desde antes de inventarem a tesoura,
na época em que só se fazia escalpo
e que os barbeiros eram todos índios.


é incrível o poder que uma pessoa
repleta de cabelos como eu estava
tem pra aterrorizar barbeiros.


quando passei pela porta de vidro,
virei bandido de faroeste
entrando no saloom
Clint Eastwood no final de Os Imperdoáveis
o homem-bomba no hall principal do Louvre.
as tesouras pareceram todas
parar, olhar e esperar até retomar fôlego,
aí, depois, voltaram ao trabalho.

fiquei lá,
sentado,
lendo Bukowski
eles retardavam o trabalho
(quem ia pegar aquela pedreira?)
enquanto levantavam seus olhos
tentando ler nos meus olhos
o meu desejo particular
em relação aos meus cabelos.


minha cara não era nada boa.
tinha ido dormir com o dia clareando
num colchão bem menor que meu corpo
no chão da casa do Renato,
meu irmão na peça
meu amigo

tinha acordado antes do meio dia
e tinha tomado uma vitamina
daquelas bem cheia de coisas
pra poder agüentar o tranco.
sabia que não ia ter almoço
sabia que a janta ia demorar.
sabia que não poderia ter cãibra
não, pelo menos, durante a peça.
banana

banana
leite
mais banana
mais banana
e bem mais banana.
muita banana.
não tive nada de cãibra
mas tive
uma...
dor...
de...
barriga.

é nada não...
só nervoso
claro que é
ôpa: é?
não...
é sério!

hecatomb-rider!
defcon-1
saída pela direita...
o banheiro é subindo a escada
a única porta à direita
duas peças de conclusão de curso
de duas turmas de atores
e eu na bilheteria,
repetindo dia após dia
essa mesma informação.

dias felizes.
dias não-tão-felizes
dias legais.
dia sim
dia não

agora é o meu dia.
pra provar que é,
alguma alma caridosa
fez o favor de substituir

o habitual papel - nem
sempre - higiênico rasputin
(uma tradição no Indac)
por um outro com mais
digamos
... tato ...
é, tato.



entrar em outros sentidos
não faria o menor sentido,
por isso, agora, te peço
entre nesta fenda temporal
e venha
aparecer
[...]
uma linha depois, tá?
viu?
nem doeu...

Fico cantando
"At My Most Beatiful", do REM, sozinho,
tenho que consertar o aparelho de som.
Aí, o som resolve funcionar
(claro que assumo o milagre pra mim)
e estoura "Something", dos Beatles
pra todo lado.
wham-bam thank you man!

Faixa 7
tem umas batucadas africanas
fico sozinho,
no escuro,
tentando imaginar que tipo de dança
aqueles tambores estão me pedindo.
na hora em que abro os olhos,
meio elenco está lá embaixo
quase em transe
no meio daquela coisa toda,
com gente berrando,
tambores que surram a alma

e eu paro.

parece que o mundo para.

preciso respirar.

tenho que pedir alguma coisa pro mundo,
tirar alguma coisa de dentro da terra
arrancar alguma outra do céu

no quintal,
enterro as mãos na terra do jardim
tentando não pensar
no tanto de atores angustiados que,
sem poder atravessar o palco,
pra ir ao banheiro
e sem tempo
pra dar a volta em tudo,
mijaram ali mesmo,
naquele lugar que meus dedos
tiravam torrôes de terra
e esfregavam nas mãos
como um viking
indo pra batalha,
indo pra Valhala


foi aqui
bem aqui que a gente recriou
um ritual de fertilidade nórdico
todo mundo pelado
só com lençol enrolado no corpo
dançando em volta
de uma bacia com fogo dentro.
(fogueira anti-sujeira)
foi nessa bacia
que meu lençol
se queimou todo
porque joguei ele lá
porque achei ótimo
dançar pelado
sob a lua
do céu de outubro
ao lado da namorada
de duas boas amigas
e de outros dois bons amigos.
minha mãe pergunta do lençol

sempre
sei e não conto
nunca


agora,
quase dois anos depois
aquela que era namorada
divide cena comigo
em um processo torturante
que me destruiu
que me reergueu
e que me fez entender
o processo da cura
através da sangria
de lágrimas secas
de sal na boca
de terra sob as unhas
saliva amarga
dentes cerrados.
agora,
quase dois anos depois,
reencenamos nossas vidas
que nunca foram
e eu estou feliz com o fim
como quem quita todas
- TODAS -
as suas dívidas de uma vez.

já estive bem cheio
agora estou vazio.

falta pouco.

a árvore bem na minha frente
tem um galho em forquilha
bifurcado, bipartido.
(idéia tosca é o que mais me vem)
se eu conseguir cuspir
e o cuspe passar no meio da forquilha
é porque a estréia vai ser legal.

não...

meu cuspe tem que ser
o que a estréia será.

(deixa de ser ridículo, fernando,
como é que isso vai te contar?)

cuspo.

miro bem no meio da forquilha
e erro.

no erro, o cuspe
se divide em dois,
bifurcado,
bipartido
cada um
em um ramo
da mesma forquilha.

aí, decido:
o que for, será.

decido que não decido.

decido que - pra sempre
e sempre - serei decidido
na hora decisiva
no momento em que for
serei decidido.

me cuspo
pra dentro da cena
e fico vendo
onde é que vou cair.
let it be
let it be.
shine until tomorrow
let
it
be.
Share:

2 comentários:

Anônimo disse...

Só pra tu tentar entrar por aqui.
Já tinha te falado que gostei daqui, né? Beijo, Yaya!

Anônimo disse...

Você nem sabe a alegria que me deixou com a sua visita. É bom ver-se lembrado. Muito bom. Principalmente em momentos em que você se acha esquecido. Apareça sempre. Adorei tudo aqui. estava com saudades. Fui lendo, lendo, lendo....e parei para escrever porque fiquei tonta, digerindo ídéias e tendo aquela sensação de passado que não passou, que apenas ficou espreitando entre as frestas do tempo. E agora preciso fechar os olhos pra ver se o tempo passou ou não. E depois volto pra te contar. De qualquer forma, adorei sua visita. Beijo