Eles foram meus Beatles (17/04/2001)
Joey Ramone morreu. Juro que me pegou de surpresa.
Eu sabia que ele tinha câncer, sabia que ele estava bem mal e, mesmo assim, não esperava.
Você nunca espera.
Agora eu sei como os fãs dos Beatles se sentiram.
Quando os Beatles acabaram, todo mundo achou que, cedo ou tarde, eles voltariam.
Não voltaram.
Porque John Lennon morreu.
Senão, talvez tivessem.
Os Ramones iam voltar.
Isso estava claro. Marky Ramone disse isso aos quatro ventos – disse inclusive pra mim - quando esteve aqui no ano passado.
Agora, acabou de verdade.
Adiós amigos é para sempre.
Não vai haver Ramones.
Nunca mais.
Quando dei por mim, estava com minha irmã, olhando o sol ir embora e escutando ela me dizer o que Ramones significava para ela.
O que ela disse foi o seguinte: sujeito que gosta de Ramones só pode ser legal.
Foi aí, neste pontinho entre a fala dela e o impulso elétrico que se mandou entre meus neurônios, que eu comecei a pensar o que eram esses caras.
A impressão é basicamente é esta: sabe aqueles pensamentos que passam pela sua cabeça e somem? Aqueles que você tem quando está no metrô, olhando o povo se mover e, se não prestar atenção, o pensamento se vai e você nem percebe que teve.
Então...
É com essa laia de pensamentos que os Ramones fizeram as músicas deles.
O mais incrível é que a maioria das pessoas que eu conheci que não gostava de Ramones eram as pessoas que mais precisavam ter uma banda igual aos Ramones. Nem que fosse de brincadeira.
Joey era um ex-hippie com passagem pelo hospício.
Dee Dee não conseguia cantar e tocar ao mesmo tempo.
Johnny era o tipo do cara que, se deixassem (e deixaram), ia colecionar coisas de Elvis Presley, filmes B e revistas em quadrinhos até o fim da vida.
Tommy nem era para ser o baterista.
Ele só calou de ser porque Joey, que era o baterista mais desastrado do mundo, foi promovido a vocalista.
Como vocalista, Joey era estranho.
Todo mundo imitava ou David Johansen (do New York Dolls, que imitava Mick Jagger) ou então Iggy Pop.
Joey parecia ter dito para si mesmo antes de pisar, pela primeira vez, em um palco: “pau no cu, vou fazer do meu jeito ou de jeito nenhum”.
E foi o que ele fez.
Debby Harry, vocalista do Blondie, costuma contar que teve ataques de riso quando viu o primeiro showcase do Ramones.
Joey, atrapalhado com o pouco espaço, sem enxergar nada por causa dos óculos escuros, só levava tombo.
Ele caía, a banda parava.
Ele levantava, eles tocavam.
Patético, né?
Qualquer um de nós poderia fazer algo assim.
Mas só sendo autêntico até o fundo dos ossos.
Tanta autenticidade recebeu o nome de punk.
E os Ramones assinam a paternidade.
Pensamentos rasteiros.
Tédio mortal.
Viagens mórbidas.
Histórias tristes.
Violência.
Tudo isso podia virar música.
Até os Ramones aparecerem, ninguém sabia direito disso.
Sem eles, você talvez continuasse pensando essas coisas engraçadas sem nem perceber.
Quando um pensamento passar pela tua cabeça e te deixarem com uma canto de riso na boca, é porque foi um pensamento ramone.
Joey faria uma música com ele e, se você tivesse uma banda, ia ficar com inveja porque ele pegou sua idéia e fez coisas que você nunca faria.
Não intencionalmente.
Se você nunca entendeu os Ramones, ainda dá tempo.
Corre para a London Calling, aqui no centro de São Paulo, e diz pro Walter: “Me vê dois quilos de Ramones”.
Ele vai te entender.
Quanto aos Ramones, não se preocupe.
Eles sempre te entenderam e nunca se explicaram.
Foi por que foi.
E como foi...
Foi...
Foi-se, junto com Joey, o sonho de ver o Ramones reunidos e, mais uma vez, ser empurrado por aquela massa de ar que se deslocava do palco pro público a cada vez que o Dee Dee (depois, o C.J.) berrava One, two, three, four!.
(versão original para texto publicado aqui no Omelete)
2 comentários:
Atingindo gerações... da minha irmã, a minha e até a da Vitória...
inesquecível ela, com apenas dois anos, pulando alucinamente dentro do seu carro, em plena Marginal Pinheiros, enquanto rolava um Ramones em alto e bom som no toca-fitas. Lembra?
Pois é.
Todos nós somos legais.
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