31.12.08

Adeus 2008




Se o senhor Cléber Machado não diz, eu digo. Parabéns às atletas brasileiras na São Silvestre 2008, que acabou agora, faz pouco tempo, em São Paulo. Acho ridículo que um cara, que se formou na mesma faculdade que eu e tenha tido a mesma base tosca que a faculdade dá pra todos os alunos, não tenha tido a decência de mostrar ao público que, embora na corrida masculina não tenha havido um brasileiro sequer no pódio, a prova feminina teve quatro.
Não, não foi uma. Foram quatro brasileiras nos primeiros lugares. Só não pegaram o primeiro porque a etíope que chegou em primeiro é formidável. Digo isso porque, preste-me atenção, moro quase na esquina da Consolação com a Maria Antônia e, logo que os competidores viraram a esquina dos fundos da Paulista, eu botei camiseta e desci pra ver. Entenda, por favor: não teve enrolação, nem ensebação. Enquanto eu botava a camiseta, enchia a caneca de café e os bolsos com cigarro, isqueiro e máquina fotográfica, essa mulher já estava chegando aqui. Foi o tempo de eu passar pela porta e chegar até a esquina para que ela passasse. E putaquiopariu: a mulher corria como um cavalo. Achei até que fosse um homem, daqueles naniquinhos do Quênia, e eu vi quando ela passou como um foguete por todo mundo. Logo depois, vieram as outras brasileiras. A Fabiana passou sorrindo e a Marily parecia que ia morder alguma coisa. Na chegada, as duas mantiveram a linha que seguiram na corrida. Depois que a ganhadora passou com fogo nas ventas, Fabiana veio e, com o mesmo sorriso que exibiu para o mundo todo no pódio, parou diante da linha e deixou que a fita lhe escorresse pelo corpo. Marily me deu numa daquelas fotos lindas que, infelizmente vão ficar só na minha cabeça, porque eu vi pela TV e só. Ela, ajoelhada metros depois da linha, com os olhos voltados para o céu, com a expressão desfigurada pelo prazer e pela dor e que, depois disso, mudaria para sempre naquela expressão linda, de menina, que ela mostrou no pódio com os louros da vitória adornando a cabeça.

Este ano de 2008 foi um ano em que as mulheres falaram por nós.
Isso, pelo menos, nos esportes.
O nosso vôlei foi o vôlei feminino.
O nosso futebol foi o futebol feminino.
E o maior de todos os nomes foi o de Maurreen Higa Maggi.
Sempre tive a impressão que o esporte conta um pouco da história da humanidade, do mesmo modo que a arte é capaz de fazer. Mas se os objetivos da arte são sempre confusos – e são sim – os objetivos do esporte são claros: é a linha de chegada.
O preço da linha de chegada é negociável.
Você pode ser melhor que o mundo inteiro ou pode ser apenas melhor que você mesmo, o que, em si só, já é louvável.

Desci lá para ver os competidores passarem e me senti parte de alguma coisa muito bonita. As pessoas se juntam na rua para esperar os competidores passarem. E aí, conforme eles vão passando, acontece uma coisa mágica e, caso você esteja com uma câmera na mão, pode ser que te aconteça o mesmo que aconteceu comigo – você não consegue parar de fotografar. Porque os momentos lindos, eles escorrem no seu rosto, eles desfilam na frente do seu nariz e, mesmo aquele cara que passou o ano todo pensando num jeito de ser original e divertido na São Silvestre e, na hora H, não conseguiu – até mesmo esse cara tem a sua graça. Porque tem de tudo. Teve um cara que fez passou por lá de olhos vendados e equilibrando um jarro até que grande na cabeça. Passaram o Sr. Incrível e a Sra. Incrível. Passou Batman, um tosco e anacrônico homem aranha. Passou um sujeito empurrando um carrinho de bebês com um par de gêmeos nas cadeirinhas geminadas – cada um deles com seu número de inscrição. Tirei fotos de tantos e não tirei fotos nem de um centésimo das figuras que fazem a alegria da festa toda.

Num momento, me passou um cara que não consegui fotografar. Ele vinha com um walkmen, um sorriso de satisfação no rosto e aqueles olhos semicerrados e contentes, o rosto voltado para cima como o Charlie Brown naquela maratona em que ele fica pensando na garotinha ruiva, erra a curva e vai correndo pelo bosque, pra fora da prova. Esse cara me fascinou a ponto de eu me sentar na guia, apoiar minha caneca de café no chão, guardar a câmera no bolso e apenas olhar o tamanho daquele que acontecia diante dos meus olhos úmidos.

Quando voltei, na TV, os primeiros colocados cruzavam a linha de chegada e deu vontade de botar “Carruagens de Fogo” pra tocar bem alto – mais alto, pelo menos, que os comentários sem-noção do Cléber Machado – e botar mais gelo no whisky. Ao invés disso, botei mais gelo no whisky e me deixei chorar pra lavar 2008 de mim.
Agora, parto pra 2009 com uma única questão em mente: que porra de música tocava no walkmen daquele cara que sorria como o Charlie Brown quando ele passou em frente a Igreja da Consolação?
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1 comentários:

Kakaya disse...

Caramba!Nem viiii!Mas deu pra sentir pelas suas palavras o quanto foi iraaaado!