22.10.08

um desabafo de oito anos atrás




Me diz uma coisa: o que que há com você que SOME,
que não me liga, que não me escreve um e-mail
e não dá o menor sinal de vida?

É...
Pode ser que eu esteja sendo possessivo de novo e, se for assim, assumo: estou sim.
Sabe que eu sonhei com isso?
Foi um sonho que me dizia que eu sou possessivo.
Sério.
Nada de aparecer velhinho barbudo,
com cajado na mão,
pousar os dedos na minha testa e dizer:
"meu filho, você gruda mais que mosca em bunda de vaca".
Infelizmente, não é assim.
Tem mais a ver com esse excesso de carência e essa necessidade de aprovação.
O velho talvez pudesse me livrar dessa no sonho,
mas não livrou,
porque eu não sonhei com ele:
sonhei com você.

No sonho,
você atendia meu telefonema
e dizia um daqueles seus "pérumpoko”
e continuava falando com outra pessoa do teu lado.
Eu podia ouvir o que você falava
e não me importava com quem era.
Não dava nem pra saber se era homem ou mulher.
Podia ser uma anta (tapirus terrestris),
mas me incomodava o fato de vocês não estarem falando
absolutamente NADA demais.

Não é ciúme.
Ciúme é fácil de lidar.
É só ter um pouco de generosidade e alegria,
que o ciúme vira pó.
Mas aquilo é uma coisa escura,
pegajosa,
que parece piche,
mas não tem nome.
Por isso mesmo é perigoso.
Porque não tem nome e,
por isso,
não posso meter um rótulo,
classificar como "ciúme",
puxar de lado e
aplicar nele os tratamentos anti-ciúmes
número um,
dois,
três
e quatro,
não necessariamente nessa ordem.

Fiquei com um medo filha da puta daquela coisa preta,
mas não tentei acabar com ela.
Achei que,
por não saber o que era,
era legal deixar tudo como está e,
de alguma maneira,
alimentar aquilo.
Na hora, minha idéia foi simplesmente estudar seus hábitos
e, pra isso, é melhor eu estudar seus hábitos
enquanto ela faz o que me incomoda,
porque, senão, periga de eu curar
o problema de prisão de ventre dela
e não me curar dela propriamente dita.

Pego toda aquela rebordosa que rolou no fim da festa de ontem
e jogo dentro da coisa preta,
porque eu não sou bobo.
Se ela for comer alguma coisa,
que coma uma coisa bem feia e inútil,
como aquelas coisas que eu ouvi ontem de noite.

A coisa preta abocanha aquilo,
mastiga bem e depois cospe:
"Mas fosse eu Brutus e Brutus, Antônio
e haveria aqui um Antônio
capaz de colocar a língua
em cada ferida de César
e erguer em revolta
todas as pedras de Roma.
Porque este era um César.
Como ele, que outro haverá?".

Ôpa! Reconheço isso aí.

É uma das falas do Marco Antônio, em Júlio César de Shakespeare.
É um dos textos que eu mais gosto.
Gostava mais dele, do Marco Antônio,
do que de qualquer outro porque gostava da idéia que tinha dentro dele.
Um cara, triste pra caralho porque seu amigo morreu.
Não só morreu como foi assassinato por um outro cara,
que se dizia seu amigo -
tão amigo quanto ele -
e que agora esse amigo não só está no poder
como também é o cara mais querido por todo mundo.
Aí esse cara vai lá
e ele é um cara normal -
respeitado, mas não amado.
Normal.
Então esse cara vai lá,
na frente do povão que adora o cara que matou o seu amigo
e decide falar do seu amigo.
Detalhe: agora o cara que ele tencionava defender era odiado pelo povo.
Se ele defendesse o cara,
ele seria odiado também.
Se ele simplesmente falasse,
ele seria odiado e,
mesmo assim,
ele fala.

Talvez essa não seja a idéia certa do personagem
(e quem vai se importar com a idéia certa sobre o personagem agora?),
mas eu sempre achei que ele estava sentindo tudo aquilo que falava,
que as palavras da razão cantavam emoções
que as palavras da emoção não saberiam escolher.
Era emoção pura,
porém exata,
precisa,
sintética.
Exata.
Um jeito com o qual eu jamais soube me expressar.
Ou talvez seja o contrário, eu sempre soube,
mas nunca pude fazer isso na vida.
Só aqui, no papel,
porque a vida me pede outro ritmo
e eu não gosto de fazer essas coisas depressa.

Só que, no dia que eu apresentei aquele texto pela primeira vez,
foi o dia em que eu cheguei mais perto do ponto.
Não acho que quero discutir o que é esse ponto e onde ele fica,
mas talvez seja exatamente isso que estou fazendo.
Naquele dia que eu tava puto.
Puto, angustiado, carente
Foi assim que rolou.

Não era o que eu queria fazer naquele momento,
mas era o que eu mais gostava o que, de alguma forma,
poderia querer dizer que aquilo era o que minha vida toda queria fazer.
Alguma coisa em toda a minha carreira de ser humano
achava aquelas palavras importantes
e queria, em algum momento, dizê-las.
"Por que não agora?", resolvi me perguntar.
É óbvio que ia sair legal.
Eu não tava pensando no que aquele cara estava sentindo.
Não estava olhando praquele monolito
e correndo em volta dele tentando entender o que ele queria dizer.
Eu estava dizendo aquilo do jeito que eu sentia que deveria ser dito.
Representei o mesmo texto em 1991,
quando a gente tava ensaiando "Liberdade..."
e já tinha pensado nele por tempo o bastante.
Agora não era mais pensar.
Ele era mais meu que os outros
e simplesmente
escapou.

As palavras escaparam,
porque elas corriam da minha boca mais naturalmente.
Aí, só tive o trabalho de lamber cada uma delas e sentir o gosto.
E foi bom.
Foi bom como é agora,
quando eu repito as palavras que eu lembro.

Marco Antônio.

Um cara que tem a manha de aparecer na cara do público,
com o coração cheio de amor e dor,
e mostrar o amor e mostrar a dor.
E a população que o ouve,
repleta de ardor e ódio, ouve.
Ouve,
escuta,
absorve.
Pesa as palavras dele,
com respeito,
com atenção.
E, no final,
põe a mão na consciência e diz
"caralho, ele tem razão mesmo"
e acaba com o maldito traidor
que, agora, eles sabem muito bem que é.

Aí fica a pergunta:
Por que eu gosto tanto disso?
É por que um cara fala as coisas que tem pra dizer
e as pessoas simplesmente prestam atenção?
Peraí...
Coisas não.
Suas coisas.
Não importa a quem aquilo possa ofender,
ele diz.
Claro que arruma o melhor jeito de dizer,
mas ele diz exatamente o que quer dizer
com a precisão de um bisturi.

Não sei se me impressiona mais o fato dele dizer
ou o fato das pessoas ouvirem.
Sei que o que eu queria, pra mim,
Fernando Tucori, aos trinta e tantos anos,
é que as pessoas me ouvissem
e não dissessem "eles está certo"
ou "ele está errado",
mas "ele está falando".
E que isso não fosse só comigo.
Fosse com todo mundo.
Queria que as pessoas esperassem a gente terminar de falar para dizer
"você está certo" ou "você está errado"
ou, amém - aleluia!, "você falou".

Acho que o que eu quero dizer com tudo isso,
até agora, é que não,
não é que eu esteja sendo possessivo pra caralho,
nem que eu esteja grudando mais do que mosca em bunda de vaca.

O que eu quero te dizer que é que,
embora a minha vida toda viva me pressionando
a assumir culpas que eu não tenho certeza de que são minhas
ou se são de qualquer outra pessoa,
eu estou encostando meu delicado ombro à roda.
Estou considerando a hipótese de que,
talvez, aquele sonho não queira realmente dizer
que eu estou sendo um filha da puta.

Na verdade, ninguém está sendo filha da puta.
O que acontece é que talvez eu esteja errado
na interpretação do sonho.
Talvez - eu digo talvez,
o que esteja acontecendo é que
você não me dá atenção nenhuma.
Quando eu digo "nenhuma"
é isso mesmo que eu quero dizer.
Nenhuma.
None.
Zero.
Nada.
Niente.
0
( )

Isso.

Mas eu sei que, caso isso seja verdade,
isso não é culpa sua.
Não, não é.
Eu já tinha te dito isso antes e digo isso agora:
tua sensibilidade de artista não é tua sensibilidade humana.

Isso é normal hoje em dia,
em que sensibilidade é usada apenas para arte
e não pra viver.

Você não precisa viver.
Você precisa vender, não é verdade?
Você precisa dar certo,
você precisa produzir,
você precisa ganhar...
Não é essa a verdade?

A verdade, meu amor,
é que você me machuca.
Você me machuca como o inferno.
Não o inferno imediato.
Falo do inferno aos poucos,
aquele que tenta, seduz e me tem pra ele.
É desse inferno que eu estou falando.
Do inferno que compra sua alma.
É o inferno pra quem você realmente venderia sua alma.
Você me machuca porque eu deixo,
porque eu gosto de você,
porque eu te amo
e porque eu não sei não te amar.

E é por te amar que eu entro nesse inferno,
cedendo tudo, cedendo mudo.
É porque esse inferno é bom,
se você entrasse nele junto comigo.
Se você entrasse, não haveria inferno.
Duas pessoas no inferno, anula o inferno.
Não existe infernos coletivos, porque,
se tiver, eu faço amigos lá dentro.
E você não faz amigos no inferno.
No meu inferno, pelo menos, não.
Nele, eu estou sozinho.

Você reparou que você nunca me escuta?
Você reparou que você só fica esperando
eu terminar minha frase pra mudar de assunto?
Você reparou que isso que eu disse agora foi uma pergunta?
Não...
Você não reparou.
Eu cansei de brigar por isso.

Cansei de pedir atenção.
Não sei.... as vezes você dá, sim.
Mas quando você resolve que não vai dar,
você pode ficar um mês assim.
E um mês é tempo demais.
Tempo demais pra ficar no inferno.

Você percebe que o inferno sou eu, né?
Eu não sabia me amar, mas andei aprendendo.
Eu sou capaz de amar você com todas as forças até o limite.
E o limite é esse.
O amor por mim,
seja ele meu ou teu.
Pronto.
Falei.
Share:

2 comentários:

hellenG disse...

meo deos. fodabagaraleo.

Anônimo disse...

Intenso, bem intenso. Sei bem como é se sentir assim. Vc é um poeta.
beijos