29.8.08

Caro deputado Severino,




antes de mais nada, gostaria de deixar claro o "caro".
É o oposto de barato.
O senhor não é um barato.
O senhor é CARO.
Sabe quanto o senhor custa?
Vinte e tantos mil reais?
Nãããão...
Isso, a gente racha entre a gente.
A gente paga pelo senhor e por pessoas como o senhor, mas a gente racha tudo entra a gente.
O preço que sai pra cada um de nós é o preço de uma vida.
ESTA VIDA que a gente leva.
Esta vida severina.

Tenho 31 anos, meu caro.
Não tenho mulher, não tenho filho, não tenho nada.
Minha mudança toda cabe no bolso de trás da minha calça, mas...
E essa gente aí?
Como é que faz?

Não, eu não culpo o senhor, meu caro, por não ter casado nem por não ter um filho - embora a idéia de ter uma criaturinha correndo pela casa e trombando em tudo seja algo adorável para se imaginar - mesmo tendo 31 anos.

Não, eu não culpo o senhor por isso, meu caro.

Culpo o senhor por tantas outras coisas, que seria indelicado ficar me apegando a sentimentalismos e mesquinharias.

Culpo o senhor e pessoas como o senhor pelo assassinato da missionária Dorothy Stang, no Pará.

Culpo o senhor e pessoas como o senhor pela morte de Alex Porfírio, a 15ª criança guarani-caiuá, por desnutrição, em Dourados, no Mato Grosso do Sul. Culpei o senhor e pessoas como o senhor por cada uma das 14 que vieram antes do Alex e vou culpar por todas as outras que ainda virão.

Culpo o senhor e pessoas como o senhor por toda e qualquer rebelião nas FEBEM.

Cada vez que acaba a luz, culpo o senhor e pessoas como o senhor.

Culpo o senhor por tantas outras coisas que num tribunal hipotético presidido por mim, qualquer forma de ofensa ou agressão contra o senhor e/ou pessoas como o senhor seria imediatamente declarada legítima defesa.

Não considero inocente quem rouba, mata ou age contra a lei, mas culpo o senhor por ter colocado a arma na mão desse sujeito.

Culpo o senhor, meu caro, e pessoas como o senhor, todas elas, caríssimas.

Não acho que a gente possa fazer lá grande coisa.
Essa história patética do tribunal é apenas hipotética e a Lei está do seu lado, meu caro.
A gente não pode fazer muita coisa.
Mas a gente faz mesmo assim.
A gente escreve texto tosco e publica onde der pra publicar.
A gente escreve seu nome no muro.
A gente gruda uma caricatura do senhor no cu de um burro.
A gente faz música falando mal do senhor e ensina as crianças a cantar.
A gente repete o seu nome incessantemente até que esteja certo que todo mundo vai lembrar pra sempre.

A gente fica por aí, olhando o senhor, meu caro,
trabalhando pro senhor, meu caro,
e deixando o senhor pensar que a a gente não toca no que o senhor come,
que a gente não limpa a caixa d´água da casa do senhor,
que a gente não sabe onde o senhor mora,
que a gente não sabe o que o senhor fez o padre italiano Vito Miracapillo, em 31 de outubro de 1980.

Nós somos essas vidas severinas orbitando em torno do senhor e de pessoas como o senhor, esperando alguma coisa mudar.

Não acho que o senhor seja capaz de mudar, meu caro.
O senhor faz isso porque o pai do senhor fazia e o filho do seu filho já deve estar fazendo.
Pessoas como senhor, meu caro, nunca mudam.

As pessoas que mudam são essas aqui, dessas vidas severinas.

Mas, sei lá...

Talvez seja bom o senhor ficar prestando atenção,
porque pode ser que um dia desses,
essas vidas todas se virem todas pro lado de lá,
o outro lado desse, onde o senhor está e,
essas vidas todas, meu caro,
sabem qual é o seu nome.

São vidas severinas.

Sei que já disse isso, meu caro,
mas eu tenho 31 anos e escrevo sobre rock.

Durante 31 anos da minha vida,
ouvi sempre aquela interminável ladainha
a respeito de como o rock transforma as pessoas
em animais violentos recheados de fúria assassina.

Não nego que existam alguns animais violentos recheados de fúria assassina por aí.
Mas não culpo o rock por isso.

Culpo o senhor.
Culpo o senhor e pessoas como o senhor.

Meu caro.


(março - 2005)
Share:

2 comentários:

Fernanda disse...

Definitivamente o melhor barulho que eu já ouvi em muitos anos!

Anônimo disse...

parece letra de música