29.8.08

Você Nunca Disse Que Nunca Diria Nunca?





Nunca suportei tic-tac de relógio perto da cama.
Despertador, bomba-relógio - seja o que for.
Não consigo dormir com uma merda dessas me dizendo, segundo por segundo, que o tempo passa e nunca fica.
Quem fica sou eu.
Fico mais velho, mais sozinho e mais perto da morte.
A cada segundo.
Não me desespero, porém.
Não abertamente e não tanto assim.
É um desesperozinho.
Só isso.
Um desespero leve.

Que nem frango grelhado.

É isso: deve ser fome.
É.
Só pode ser fome.
Foda-se.
Não vou comer.

Sábado, fiz uma salada pra mim.
E eu nem tava a fim de comer salada em específico.
Acho que eu só tava a fim de fazer alguma coisa pra mim mesmo.
Era como um presente que como.
Um agradecimento pelos serviços prestados à companhia.
Tinha lá os seus termos, claro.
Eu não tava muito a fim de lidar com fogão, mas acabei me dando de presente um punhado de coisas boas como, por exemplo, um almoço saudável.
Aquilo era saudável.
Uma salada, oras!
Uma salada, leve como asas de borboleta!
Bom...
Temperada com um molho pesado feito um peido de elefante.
Mas, ainda assim, era uma salada, se parecia com uma salada e continuou parecendo com uma enquanto eu comia.

Foi um presente isso.

Como foi presente aquela vitamina com ovos, banana, chocolate e leite.
Quando dou esses presentes pra mim mesmo, acaba que recebo outros de volta.

Exatamente como foi presente aquela idéia de se adaptar (ou não) Raymond Chandler para o teatro, com aquele truque de usar metalinguagem com resposta do antagonista, que pode dar certo ou pode não dar, mas, de qualquer maneira, foda-se.
A idéia me entreteve por horas e foi bem esse o presente.

Presente como aquela percepção óbvia de que, se eu amo o próximo como a mim mesmo e o próximo pode ser um perfeito estranho, eu tenho - por obrigação lógica - que estar disposto a amar a mim mesmo como amaria a um perfeito estranho.

Foi presente também quando o rádio tocou "Perfect Strangers", do Deep Purple, justo naquele momento.

Foi presente o Gui ter me vindo com aquela tira do Laerte sobre Deus estar na terra, todo o papo sobre Nietzsche estar morto e Deus estar vivo e todo o eco que isso teve depois, com abismos olhando pra dentro de nós e os monstros que não podemos nos tornar.

Foi um presente a citação: "Ain't never the right place, the right time and the loving person - all at the same time".
É de Browning.
A escritora, não a automática.

Tudo foi um presente, mas o presente maior de todos foi quando o ônibus parou no ponto, aquela menina linda entrou, parou na roleta e sorriu ao me ver, justamente naquele momento em que eu mais pensava nela.

Nunca é o lugar certo, mas quando é a hora exata e a pessoa amada, o sr. Browning - o poeta, não a automática - que me perdoe, mas não é nobre da parte de um homem com barba na cara armar toda essa sangria desatada por causa de um ônibus chamado "Socorro".

É um presente.
Houve um passado antes, que me trouxe até aqui.
E é certo que haverá um futuro e, talvez, ele seja um presente.
Share:

3 comentários:

Lubi disse...

Haverá um futuro, sim.
Gostei tanto da foto. Original.
Um beijo.

Fernanda disse...

Oi, vc não me conhece e nem eu te conheço. Mas de repente, xereta que sou, cliquei em algum lugar e caí aqui. Estou perdida entre as tuas letras já faz um tempinho e escolhi esse post aqui para comentar todo o resto, pode né?

Cara vc é muito inteiro com as palavras. Tudo o que li me pareceu muito íntimo, como quando a gente tira a roupa aos poucos, só ou acompanhado, tamnto faz. Mas sempre tem aquela magia de ir deixando a roupa cair de vagar e descobrindo talvez sinais que não havíamos percebido antes. Não sei se me fiz entender bem, mas...enfim, muito me emocionou o seu blog. Gostei demais demais. E é isso.

Abraços

Anônimo disse...

E é certo que haverá um futuro, e talvez ele seja um presente. Lindo isso.

Comemoremos o presente, sempre!

Beijos.

Núbia - nubibella.blogspot.com