17.7.08

There must be an angel (parte 01)




Tinha uma menina que estudava comigo no cursinho, a laís, branca como um floco de neve e por quem eu me apaixonei, sofri e chorei por praticamente dois meses, que adorava falar de anjos. Não sei como, nem sei se existe, mas ela disse que tinha descoberto o nome do anjo que me protegia. Escreveu o nome dele em algum caderno que eu devo ter guardado no bauzão lá na casa dos meus pais. Nada demais. Dei risada e perguntei se todos os anjos tinham nomes terminados em “el “ e se “falafel” era anjo também.
Isso pra dizer que eu nunca fui muito assim de fantasiar a respeito de anjos.
O livro que eu tô lendo agora é do Tennessee Willams - “Memórias” - e, dia desses, ele falou de quando perguntaram pra ele se ele acreditava em Deus e ele disse que não sabia, porque não tinha visto Deus (ou, pelo menos, achava que não), mas que, por outro lado, acreditava em anjos. Não anjos com asinhas, que vivem no céu. Anjos que são pessoas mesmo e que aparecem do nada e fazem a mesma coisa que os anjos fazem.
Milagres.
Pessoas que te tocam na alma e, nesse mundo cão aí, tocar a alma de alguém é, de fato, um milagre.
O problema é que eu sempre fui muito turrão pra aceitar isso numa boa. Você pode ser meu melhor amigo(a) e ter livre acesso à minha alma, mas, pra tocar do jeito que eu quero dizer, você teria de ser um anjo. Não um melhor amigo. Você teria que descer do céu, entre toques de clarins e dizer alguma coisa, responder alguma pergunta que eu nem formulei.
Resumindo: precisaria da surpresa.
Por isso, mas não só por isso, a maior parte das experiências me aconteceram em público. Na rua, no ônibus, no carro.

(A mais mágica de todas – a única que aconteceu em casa - eu deixo por último)

PARTE 1

No ônibus (janeiro de 1992)

Tô lá, sentado num dos bancos da frente, indo pra casa de uma das minhas melhores amigas porque era aniversário dela. Primeiro que, quando o ônibus para no cruzamento com a consolação, debaixo da marquise de um prédio, tem um bando de mendigos bêbados. Um deles, com sorriso dos dentes mais brancos que eu já vi, olha pro ônibus, levanta a garrafa de mé como que a saudar um brinde e começa a cantar “It's Now Or Never” em inglês PERFEITO.
Vale dizer que 1991 não tinha sido um ano fácil. Não vou ficar esmiuçando os dramas adolescentes, mas é aquela coisa: você jamais vai achar que é grave o bastante, mas esse tipo de bobagem é capaz de marcara vida de uma pessoa pra vida toda. Naquele começo de 1992, prestes a prestar vestibular, eu estava decidido a não sofrer mais. Tinha cansado daquela brincadeira dos anos 80 em que tudo que era sombrio era bonito. Tinha baixado uma lei marcial em tudo que eu achava que era meu domínio e eu tinha ficado proibido de ver filme triste, de ler nada desses porras que morreram cedo e nada sombrio. Nada mesmo. On the sunny side of the street.
Aí, me vem aquele mendigo sujo com seu sorriso limpo e me canta um “It's Now Or Never” debaixo de uma placa que diz “Consolação”.
Era lindo.
Achei o máximo, mas ainda assim, me faltava um pouco mais.
O ônibus seguiu seu caminho e acabou passando pela Amaral Gurgel. O assento do meu lado estava vago. Sobe uma tiazinha. O ônibus arranca e ela desequilibra. Ao invés de se desesperar, ela se joga de um lado pro outro, segurando em tudo quando era barra que podia segurar e, torcendo o corpo e girando, vem sentar justamente do meu lado, como que num pulo. Parecia que ela tinha caído do céu. Olha pra mim e – caralho! - o mesmo sorriso, os mesmos dentes brancos e um olhar doce.
Ela diz assim: “Esse mundo é doido. Se a gente não rir, a gente fica doido junto com ele”.
Isso foi dia 11 de janeiro – um sábado.
Dia 18 de janeiro – no sábado seguinte – resolvi limpar a cara e tirar aquela barba que eu tinha deixado crescer por um tempo muito maior que o recomendável.
Enchi a cara de espuma e me olhei no espelho.
Do nada e pro meu maior orgulho o que eu vi brotar naquele momento foi um sorriso não tão branco quanto aqueles que tinham me tocado – porque você sabe: no meio da espuma de barbear, todo sorriso parece amarelo – mas era um sorriso que parecia que vinha do mesmo lugar.
Leve.
Livre.
Lembro que tinha um programa que tocava música dos anos 50 na 89 (que na época tocava rock ) e, naquele momento tocou Johnny B. Good na versão original do Chuck Berry.
Sei que deu um choque.
Sei que eu fazia bolotas de espuma em cima da boca e, com a cabeça virada pra cima, cuspia pra cima.
Sei que me melequei inteiro com espuma de barbear.
Sei que melequei o banheiro todo com espuma de barbear.
Isso foi em janeiro de 1992 e ainda hoje o teto do banheiro tem marcas daquele dia e, até hoje, quando vou na antiga casa dos meus pais, me vem um rabicho daquela sensação.
E é uma sensação divertida até.
Como o pai do Nemo entrando na corrente pra nadar com as tartarugas.
Nunca se sabe onde vai dar, mas, por outro lado, foda-se: a gente nunca soube mesmo.

Veja a seguir:
- show do santana
- um toque na multidão
- vim te ver, companheiro
- falando com o rádio
- era você, mãe?
(só pra que eu não esqueça)
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3 comentários:

C. K. disse...

E no final das contas, a gente nem quer saber mesmo. A gente é algo pra se agarrar à vida de forma leve, algo que não implique burocracias imaginárias e explicações administrativas e esticadas, ou seja lá o que quer que tenham inventado pra explicar esse elo.

Eu tenho alguns anjos também.

Renatinha disse...

Nem tudo tem explicação. Ainda bem. Imagina saber de verdade que existem anjos, ou algo assim. Iamos ser mais anormais. Minha mãe uma vez viu um duende e nunca mais foi a mesma.... rsrsrsr beijos
Re

Kakaya disse...

Eu também acredito em Anjos...Ta aí...Vou escrever sobre isso também.
Beijos para o Fernando q eu mais AMO!rs!