25.6.08

Estamos atrás da verdade (ano-luz atrás da verdade)






O povo aí fica falando de "mulher moderna" e, pra dizer a verdade, acho isso um tanto quanto idiota. Talvez porque esteja solteiro, talvez porque eu não tenha medo das minhas correntes expectativas afetivas semi-nulas, mas continuo lembrando daquele velho chinês que aponta uma estrela e o discípulo tolo olha para o dedo do mestre ao invés de ver a estrela que ele aponta.
É perder o ponto principal da conversa.
"Mulher moderna", essa que o povo diz que é, é uma mulher feliz ou é um nicho do mercado?
Moderna tem a ver com moda?
Eu gosto de pensar que existem pessoas, que são homens ou mulheres, que fazem o que bem entendem num mundo em que as opções são muitas e as liberdades, raras.
O que eu ainda estou tentando descobrir é que diabos de coisa é essa chamada liberdade.
A liberdade de ser, liberdade de ter, liberdade de ir, de vir, de viver, de pensar, de cagar.
Liberdade pra cagar.
Pode parecer uma coisa escrota e escatológica, e, numa primeira passada de olho, é isso aí mesmo.
Mas não é só isso...
A gente tem toda essa obrigação de fazer escolhas, todas certas, todas exatas, todas pesadas e bem medidas. O que acontece é que, as vezes, o que é certo, é exato, pesado e bem medido, é feito por unidades métricas que não são as nossas.
Aí, a gente vai lá e caga tudo.
Não está escrito em nenhum lugar que a gente "é" pouco e "está" muito.
A maioria das coisas que a gente diz que a gente "é", a gente "está"... E a maioria das coisas que a gente acha que "é", se aparecesse no mundo como realmente é, a gente veria uma reconstituição completa de "As Bruxas de Salem", com eu, você e mais meia dúzia de gente meio-corajosa, ardendo em chamas, pelos pecados do mundo, mas não pelos nossos.
Um amigo meu disse que é um ritual entre os índios: eles sempre vão cagar juntos, mesmo que a companhia não esteja com vontade.
Você há de convir comigo que um índio cagando é muito mais indefeso que um índio de pé, com a lança na mão (esteja ele mijando ou não). Mas é... esses dias, fomos eu e o Gérson, juntos ao banheiro da escola. Banheiro multiplex, um privadalhal sem fim. Ele já chega avisando "É número 2, tá?". Eu: "Beleza... sento lá e tento a sorte". A gente ficou lá, sentado cada um no seu trono, batendo papo e conversando sobre qualquer coisa só porque era legal conversar naquela situação. Você simplesmente não tem defesa quando está cagando. Chegou mais um, entrou na conversa e ficou, encostou na parede do banheiro, pediu um cigarro (que eu passei por baixo da porta) e, no fim, a gente saiu de lá, direto pro ensaio da peça. Espinha ereta, barriga vazia e coração tranqüilo.
Se você está em cena com um cara que fez cocô junto com você, você tem um grau de intimidade que deixa o teatro mais fácil.
Ontem uma ex-namorada de eras longínquas apareceu do nada. Fazia muito tempo que a gente não conversava e, aí, do nada, ela vem me dizer - depois de casada e cheia de filhos - que o melhor momento que ela já teve com um namorado/marido foi num daqueles dias que passei com ela na casa dela, e que ficava tocando música inventada no violão, rimando "amô" com "cocô" , sentando na privada, enquanto ela tomava banho de banheira.
E aí, eu sei lá...
Sei lá porque entrei nesse assunto, mas que ele faz sentido, ele faz.
Se não faz sentido, ao menos faz sentado, como qualquer mulher moderna faria.
Porém, o que eu queria dizer, basicamente, é que andei lendo um livro que se chama "As Deusas e a Mulher", de uma psicóloga chamada Jean Shinoda Bolen. É uma das piores coisas que eu já li, pelo menos enquanto literatura - e eu preciso perder minha mania de achar que tudo que é livro é literatura
(às vezes, é só datilografia). O livro é mal escrito, mas dá o recado.
Em resumo do resumo do resumo do resumo o que o livro diz é que cada mulher traz em si algumas deusas e que elas são gregas. Nem sempre traz todas, mas traz algumas. Quando traz todas, melhor. Se alguém reconhecer todas e brigar pouco com algumas elas, melhor ainda.
O livro divide os tipos de mulheres por deusas.
Tem Hera, que é a esposa, leal e companheira. Afrodite é a amante, sensual e sedutora. Ártemis é a irmã, independente e rebelde. Deméter é a mãe, cuidadosa, mimadeira e zelosa. Tem Perséfone é a filha, inocente e pura. Tem Atena, que é a intelectual e estrategista brilhante. E tem Héstia, que aquela que cuida da própria espiritualidade e de sua evolução pessoal.
O livro acha que cada mulher tem uma deusa reinando nela.
Este pedante aqui acha que quanto mais melhor, que dá pra costurar todas elas num frankestein só.
E eu me pergunto: qual delas é a "mulher moderna"?
Talvez, olhando no fundo dos olhos do senso comum, diria - com cara de bosta - que Ártemis é a mais "mulher moderna" de todas. Ela é, hoje, o target dos publicitários porque ela acha que faz o que quer, mas faz o que a publicidade manda. Isso - aponta esse arco pra lá! - quem diz é o senso comum. Atena já foi, mas agora é vista com um olhar meio preocupado. Hera nem pensar: chamam de "Amélia". Deméter: só se você aceitar ser chamada de velha junto. Perséfone: quase uma ilusão, uma borboleta pousada numa roda fria. E Héstia? É coberta de honras, como Madre Teresa de Calcutá foi, mas são raras as pessoas que querem honras e, também, querem ser Madre Teresa de Calcutá... Querem Afrodite, que nunca sai de moda, mas está em todos os lugares, inclusive e principalmente, está nos olhos de quem vê.
Ah, sim... só pra constar: Ártemis, o arquétipo da mulher moderna se apaixonou uma única vez.
Ela era irmã de Apolo e, com ele, vivia competindo. Exatamente do mesmo jeito que a "mulher moderna" TEM quem competir com o "homem moderno".
Apolo disse pra ela: "tá vendo aquele ponto ali no meio do mar?" e apontou pra um cisco preto naquela imensidão azul. "Duvido que você acerte ele"
Ela esticou o arco
Fez mira
Soltou a flecha.... e záz!
Bem no alvo.
Apolo sabia.
Era Órion, o caçador - sujeito por quem Ártemis era loucamente apaixonada.
Apolo riu
Ártemis chorou e nunca mais esqueceu seu erro.
Pregou Órion no céu, transformou-o em estrelas e deu a ele um cão de caça - a estrela Sírius.
Por pressão da competição com o homem, seu irmão, Ártemis matou seu maior amor.
Bobo, né?
Seria trágico se ela morresse virgem.
Mas não foi o que aconteceu.
Ela era uma deusa e deusas não morrem virgens.
Aliás, elas não morrem de jeito nenhum.
Continuam virgens e matando o amor, para sempre e sempre e sempre.
Essa é a mulher que o mercado chama de moderna?
Ela é fascinante em milhares de aspectos e trágica em apenas um, que é justamente o que me dá mais medo. Tenho medo da dor. Tenho medo da flecha de Ártemis, da competição idiota em que ela se mete com os homens, e tenho medo do medo - essa criatura de zilhões de dentes, boca negra como a noite e hálito de inimigos vencidos.
Tenho medo - do medo - porque o medo mata filhotes de amor.
O medo mata como o cara de "Folsom Prision Blues", que atirou num cara em Reno só pra ver ele morrer... O medo mata como o "Johnny 99" de Brice Springsteen que diz ao juiz que foi o mundo quem colocou uma arma na mão dele... O medo mata como Mick Jagger canta, em "Sympathy For The Devil".
E, como em "Sympathy For The Devil", imagino que não adianta berrar quem matou os Kennedys.
No fim das contas, fomos você e eu.
Share:

2 comentários:

Lucia Freitas disse...

uhu! nada como achar leitores/blogueiros não identificados no twitter e vir atrás do blog do ser humano. Tucori, baby, obrigada.
Obrigada por ter lido o livro e escrito o post. obrigada por este lindo blog. Obrigada pela redação perfeita, pelo texto encantador.
Rachei o bico na história do jantar e me vi, mulher moderna que sou (e obviamente regida por Artemis, a besta) matando o meu único amor.
A sorte, mesmo, é que os tempos mudam e as deusas também podem. Elas criam deusários (http://deusario.com) expõem suas mazelas em público e sem pudor e fazem uma rede de bons textos. Assinarei já o feed. à espera de outros posts assim. bj enorme.

Calu Baroncelli disse...

Vixi!
Que Jung deve estar até com inveja de vc!