6.6.08

AS ANACORÉTICAS AVENTURAS DO CAPITÃO PRUDENTE


"Assim como a lagarta escolhe as mais belas folhas para pôr seus ovos, o sacerdote lança sua maldição sobre as alegrias mais belas". Blake, William Blake.


Abro meus olhos logo depois que Iggy Pop diz o que diz. "O dia que eu não ver mais seus olhos é o dia em que eu vou morrer". Vindo, clara como a luz do Sol, a introdução ao vivo de "Head On", com os Stooges, pega em cheio. Pode te levar pra qualquer lugar, se é pra lugares que você quer ir. Eu quis ir pra você e foi pra você que ela me levou. Porque é por você que eu ia morrer se não pudesse mais ver seus olhos.
Eu não posso ver seus olhos e acho que estou um pouco morto em algum canto.
Quando não posso olhar pra você, minha vingança é olhar o mundo tanto e com tanta força que eu consiga tirar de lá algo tão lindo quanto você. É impossível, mas tentar o impossível é minha causa de arte. Agora, neste exato momento, eu teria que dar risada e dizer "hahahahaha! você é impossível!" e você podia achar que é brincadeira, mas né brinquedo não. Você é impossível sim, mas eu chego lá... Por enquanto, eu ainda tô olhando as folhas roxas que mancham a calçada da esquina lembrava de uma frase que me disseram sobre flores roxas nascendo no coração dos trouxas e achei que não tinha nada a ver, mas que, se eu não dissesse isso, que não tem nada a ver, era capaz de você achar que tem.
Porque a gente é capaz de achar qualquer coisa, sabe? Nós somos capazes disso. Somos humanos. Temos cérebro. Temos Iggy Pop gritando em nossas orelhas e - Deus! - ninguém grita como ele e aquilo que ele faz não tem nada a ver com pensar.
Nós criamos a prudência.
É uma invenção nossa. Uma invenção que sai na rua e, todo dia, na hora da ave maria, vai na casa de sua comadre, a impotência, e fala sobre tudo que deixou de fazer por medo, mas chamou de sacrifício, embora não saiba bem o que é que ela sacrifica e o porquê.
A prudência.
As flores roxas.
O amor.
O medo.
O sacrifício.
Missionários de um mundo cagão, todos eles, ali, parados, naquela esquina.
Eu, dando pisca pra esquerda, paciente, esperando minha vez de furar uma fila de ônibus que parece nunca acabar.
"O dia em que eu não ver mais seus olhos, é o dia em que eu vou morrer".
Ando com um medo filho da puta de morrer, sabe? Ainda mais agora, depois que aquela menina bateu no meu carro, me jogou em cima do carro de outra menina, disse que a culpa era dela e não atendeu mais o telefone de jeito nenhum. Não quero sofrer acidentes de carro nunca mais e, por isso, estou pensando seriamente em nunca mais ter um carro.
Isso é prudência.
Prudência de um cara que quase morreu dentro de um Gol, que deu a cara pra bater e viu a morte passar. ISTO é prudência. O resto é chiliquinho de menina dando piti antes de pular do trampolim. É engraçado de ver até, mas, olha... depois de um tempo, a graça passa e dá vontade de derrubar a chiliquenta de lá.
Eu entendo... A gente não conhece a morte, mas tem medo dela. A gente não tem medo da morte porque ela é desconhecida. A gente tem medo dela porque ela é o fim. É a morte. Só por isso. E dizem por aí que a verdadeira iluminação só chega praqueles que perdem o medo do desconhecido depois da morte, porque é por esse caminho que passa o rastro da liberdade. A liberdade suprema de responder "eu não sei". O que eu acho que não faz sentido é ter medo do desconhecido como quem tem medo da morte.
Depois que a gente olha a morte nos olhos, tem umas coisas que se acertam. Você percebe que, no mundo, existem coisas que importam e coisas que não importam. A gente sempre perde as que importam por dar atenção ao que não importa. A gente perde a saúde por se preocupar demais. A gente perde a vida por pensar demais. Tudo isso que hoje é ouro e que faz a gente abrir mão de coisas muito nossas pra ter por perto, amanhã vai apodrecer e cair do galho. Enquanto isso, as outras coisas, tudo aquilo que a gente queria mesmo e de verdade, pegaram a estrada e seguiram sem nós. E a prudência vai pra casa da impotência todo dia, fofocar na hora da ave-maria. A gente acha que o que realmente importa vai estar lá, mas não vai: está hoje, agora e neste instante. E o amanhã morre de fome anteontem como sempre.
Você pode pensar e eu quero mesmo que você pense, mas quero que você sinta e, sobretudo, quero que faça alguma coisa. Sentimento ou pensamento, tanto faz, se não houver ação, a alma apodrece debaixo da pele.
É aí, nessa esquina, que eu paro e exijo respostas por coisas que nem perguntei. É bem na Sampaio Vidal e, pra ser prudente, acho uma boa idéia olhar direito com que rua ela faz aquela esquina cheia de flores roxas espalhadas pelo chão.
Ironia.
A rua se chama Capitão Prudente.
Parece nome de super-herói, daqueles que vestem azul, usam sunga por cima das calças, têm queixo quadrado, salvam o mundo e voltam no final do desenho pra contar a moral da história.
Herói é aquele que morre por uma causa maior que ele.
Um sujeito que se sacrifica uma única vez. Ele sabe quando fazer isso - eu é que não sei. Ele é o herói - não eu. Ele é. Ele, o Capitão Prudente. Emérito fundador da Liga dos Heróis Que Morrem Sozinhos. Eu preciso dele pra me mostrar onde está o perigo.
A rua Capitão Prudente, porém, não dá mão pra quem vem de onde eu vim.
Isso é uma resposta?
Não.
Isso é o nome de uma porra de rua que não dá mão pra quem vem de onde eu vim.
São todas assim.
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1 comentários:

Renatinha disse...

Nossa, que texto lindo!!!
Clap, clap, clap.
beijos
Re