15.5.08

UMA TEMPORADA NO INFERNO #04



Em média, um brasileiro médio manda 378 pessoas pro inferno por semana. Não é um absurdo imaginar que algumas dessas pessoas realmente venham. Porém, não sou eu quem vai levar a sério o brasileiro médio. Ninguém leva a sério um “médio”, a não ser pra estatística e eu não levo estatísticas muito a sério.
Por isso, ninguém me manda pro Inferno.
Eu vou sozinho.

Sexta-feira, 18 de maio de 2007 e eu me meto a fazer a barba e, além de dois talhos no pescoço, só fui ver que eu tava a cara de D. Pedro I quando já era tarde demais. Era noite de Moptop no Inferno e, com o tanto de gente falando bem dos caras, fui lá pra ver o que ia rolar. Faz uns dois ou três anos, antes do Moptop lançar seu primeiro disco, fiz uma matéria sobre eles no Rockwave e acabei conversando por dois ou três e-mails com um dos integrantes da banda. Sei que quando entrei no Claro Que É Rock, de 2005, aquele que teve Iggy Pop, eles estavam no palco terminando o show deles e deu uma vontade de ter entrado um pouco mais cedo pra pegar o show inteiro.
Na frente do 501 da Augusta, o movimento de entrada era grande. Pelo tempo de um cigarro, da cabeça quase ao filtro, a figura de D. Pedro I ficou em frente ao Inferno vendo quem é que estava decidido a entrar por causa do show e quem estava a fim de entrar por causa da casa.
Tinha uma menina com o corte de cabelo do Johnny Thunders – e é incrível o tanto de menina que tem com o corte de cabelo igual ao do Johnny Thunders – de mão dada com um cara que passaria fácil no casting pra fazer o Japhy Rider em uma nada impensável adaptação cinematográfica de “Vagabundos Iluminados”, do Kerouac, para o cinema. Achei o casal meio emblemático. Ele era a cara daquele hippie que ainda ia virar punk. Ela era a cara do punk que não leva mais a sério essa coisa de ser “punk”, mas, já que todo mundo diz que é... por que não?
Nada mais acertado.
O Moptop não é uma banda punk.
E mesmo as bandas punks de hoje são bem pouco punks.
A vida é punk e já é o que basta.
Eu tive que revezar as pilhas do gravador pra máquina fotográfica e isso pareceu fazer de mim um punk - um cara que faz, das tripas, coração. Ainda assim, o que eu quero mesmo é juntar todos os corações que puder e, com eles, fazer tripas. Porque coração não falta. Dói ter coração. O que eu não tenho é estômago. Tripa.

O som é bom lá dentro.
Sempre é, mas em noite rock’n’roll, os DJs não dão trégua.
Cada vez que toca Ramones é de se parar e pensar.
Pra essa geração que lota as casas hoje, os Ramones é que eram os Beatles.
Falta uma música “Era um rapaz, que como eu, amava o Clash e os Ramones” no cancioneiro popular do século XXI. Devotos de NSA, a banda do Thunderbird, foi a que chegou mais perto com “Gibi Ramones Motorhead”.
Porque é isso que é mesmo.

E que tipo de som que o Moptop faz?
É um rebelde inofensivo, limpinho, que não fede nem cheira. Lembra muito Strokes, que é uma banda que chegou a prometer e, agora, nem promete nem compromete.
Não tem nada demais e, também, não tem nada de menos e é isso aí: zero a zero fora de casa é vitória.
O show é legal, é despretensioso.
Nada além de uma banda de rock’n’roll fazendo o que tá a fim de fazer.
Encontro o Pablo, da Rolling Stone e ele adora o show. O guitarrista, com cabelo Wayne Kramer (na época que Wayne Kramer tinha cabelo) toca uma guitarrra vermelha, o vocalista parece um jogador de tênis, o baixista parece o Spicolli, personagem do Sean Penn, em “Picardia Estudantis” e mesmo que não dê pra ver direito o baterista, dá pra sentir cada pedalada no bumbo nas costelas e isso já é um senhor cartão de visitas.

Aí, no meio da bagunça toda, eu encontro o Ovo e percebo que me fodi.
Me fodi porque eu posso mentir a vida toda, mas não a respeito de música e menos ainda na frente do Ovo.
“Esse casaco não é de mulher?”, perguntava ele sobre a jaqueta que eu tava usando. Era uma coisa pink, meio Elvis Presley, fase “Let Me Be Your Teddybear”. “Essa jaqueta é MINHA”, respondi, pensando na jaqueta de couro de cobra que é o símbolo da liberdade pessoal de Sailor em “Coração Selvagem”.
A gente tinha o direito de falar a merda que fosse um pro outro, mas não se dava o direito de vir com merda um pra cima do outro. O Ovo fez faculdade comigo. Depois, fez estágio na 89 na mesma época que fui efetivado no jornalismo por lá. Eram épicas as barbaridades que a gente fazia no carro, indo do Morumbi pro Paraíso. Sempre que dava, tinha Ramones tocando e bem alto porque os dois estavam sempre atrasados e era de praxe pegar uma depressão no asfalto da avenida que ia acabar virando a 9 de julho e pular dentro do carro, como se estivesse num tobogã. O melhor de todos os casos foi quando o mendigo ficou mostrando o pinto pra nós e a Gláucia, no banco de trás, não tinha visto e, quando ela deu com o olho e gritou, horrorizada: o cara tava quase batendo com aquela jeba mole no vidro do meu golzinho sujo.

Sem meias palavras com o Ovo. “O que que você tá fazendo aqui?”. Era um encontro improvável e os dois sabiam – era como se dois estivadores da mesma doca se encontrarem numa sauna gay. “Minha mina curte os caras. Ela quis vir e eu vim. Vou fazer o que? E você?”. “Tô escrevendo um livro sobre a casa. Esse deve ser o quarto capítulo. O que que cê tá achando do som?”.
Você sabe que, quando Deus se empenha na trilha sonora, não tem pra ninguém. E foi justamente quando a banda disse que ia cantar uma balada que eles gostavam e lançaram mão de “The KKK Take My Baby Away”, dos Ramones que começou pianinho e depois descambou pra porrada.

Era a música certa, na hora certa, mas tinha alguma coisa errada.

Faltava alguma coisa e tanto eu como o Ovo estávamos sentindo o cheiro dela, mas não sabíamos botar carne nas palavras. O Ovo diz que é muita choradeira e, na hora, eu lembro de Musashi amarrado na árvore e o monge Takuan caçoando dele, dizendo que aquilo que ele estava tendo era chilique e não era raiva de verdade.

É um show legal.
Uma banda de rock, pura e simples e, quando eu olho pra frente do palco, tem gente pirando. E é verdade: as pessoas piram. Eu até piraria junto, mas eu acho que aquilo me é familiar e o que me é familiar corre um risco enorme de se tornar comum e o que é comum, mil perdões, mas não me move mais. Passei da idade.
Eu poderia sentir saudades dos meus discos dos Strokes. Isso, se eu tivesse discos dos Strokes.
No final, foi um show legal, mas foi mais legal ainda ter encontrado com o Pablo e com o Ovo.
Estava com saudade deles
No caminho de volta pra casa, me bateu uma puta fome e é isso.
Ver um show e comer alguma coisa.
Vou sozinho, volto sozinho e como sozinho.
Você não tem idéia de como isso é triste.
Por outro lado, você não sabe como é bom.
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