12.4.09

até o fim do mundo




Sei.
Você nasceu nos anos 80.
Eu nasci nos 70, então, acabei meio que sem escolha e montei minha primeira banda nos anos 80.
Não queira saber o que era ter uma banda nos anos 80.

Aliás, queira sim – se não, não vai ter graça nenhuma escrever esse texto.

Os anos 80 foram um pouco parecidos com os anos 50.
Acho isso de orelhada, porque não vivi nos anos 50 e, agora, pelo que posso entender, já é tarde demais pra isso.
Mesmo assim, pensa comigo.

Lista tudo de mais importante que houve ali, perto dos anos 50, e você vai achar a porra da bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki.

Aquilo botou um cagaço no mundo todo e o mundo todo achava que ia acabar. O mundo ia acabar. Bastava só mais uma bomba.
Eles deviam passar isso na TV o tempo todo.
O subtexto era um só: “Os Estados Unidos têm a bomba”.

Nos anos 80, a merda era praticamente a mesma.
Só que era mais merda.
Em vez de pensar “Os Estados Unidos têm a bomba”, o subtexto era: “Caralho! Agora TODO MUNDO tem essa porra de bomba!”.

Pode parecer bobagem, mas era meio esquisito você pensar que o que existia de arsenal nuclear na terra dava pra destruir o planeta todo umas 18 vezes, sei lá.
Era foda de se imaginar alguma coisa assim quando o simples fato de manter aquilo já podia dar em merda, como deu em Chernobyl, como deu, por um infeliz acidente, em Goiânia.

E tinha aquela coisa da Guerra Fria.

Foi do caralho, em 89, quando o muro caiu.
Acho que foi a primeira vez que tive a sensação de estar vendo a história ser feita, pela TV.
Em 1990, o mundo parecia otimista e, do nada, me aparece um Fernando Collor de Mello e faz uma coisa que sempre me pareceu inacreditável: ele confisca todo o dinheiro das pessoas que têm caderneta de poupança.
Até hoje tento entender o que ele quis com aquilo.
E olha que, naquela época, eu tinha lido Watchmen e achava que Ozymandias tinha razão em ter feito o que fez.

Lembro que 1990 foi um ano em que a gente começou com o cu na mão.
Era simples assim: o Iraque tinha invadido o Kuwait por causa do petróleo e, também por causa do petróleo, os Estados Unidos estavam ameaçando tomar o Iraque pra eles.
Isso era uma merda por que ninguém imaginava qual seria a reação da União Soviética.

Naquela época, existia União Soviética.
Os comunistas, os vermelhos, o inimigo, algo assim.
Em 1989, eu tinha trabalhado fazendo boca de urna pro PCB, então, pra mim, a bosta já tava feita.
Quando dois elefantes daquele tamanho resolvessem se pegar na porrada, quem mais ia sofrer com isso é o gramado.
E o gramado deles, pra todos os efeitos, éramos nós.

Faça suas contas e perceba que, sem em 2001, você fez 18 anos, em 1991, era a minha vez de passar por isso (perceba também que é uma merda conjugar verbos em flash-back).

A merda é que eu, com 18 anos, você já deve ter visto na TV, tenho que me alistar – serviço militar obrigatório.

Rolava um terror também porque o Brasil havia recém saído do regime militar e nego cagava de medo de que, caso Collor continuasse fazendo merda, ia dar um rebosteio GRANDE e os militares iam botar seus tanques na rua.
E, neste caso, a bucha dos canhões seríamos nós que ouvíamos, dia após dia, o “jovem, ao completar 18 anos, aliste-se”, com aquela merda de música do Europe tocando de fundo, querendo fazer com que você pensasse que era possível ser piloto de caça, igual Maverick, o personagem de Tom Cruise em Top Gun.

A molecada na escola não falava em outra coisa.
“Vai voltar a época do gambé é lei e nós tamo fodido”, dizia o Márcio. O pessoal mais alto cagava dobrado porque o que se dizia é que, sendo alto, não tinha jeito: ia pra Brasília e, se desse uma merda, eram os milicos contra você, ou você do lado dos milicos ou, o coro comendo em todo canto, em torno de você.

Não eram coisas agradáveis pra se pensar.

Chega a ser babaca pensar que, no aniversário da Si, em 1991, estávamos lá todos os melhores amigos: Simone, Camila, Gabi, Gisela, Renata, o Toni, o Valter, o Milton e eu, todo mundo preocupado com o futuro.
A gente não tinha muita certeza se realmente haveria futuro e, pelo que se dizia, os EUA estavam se juntando com todos os outros países do mundo e, apoiados pela ONU, iam tocar o puteiro no Iraque.
Naquela noite, a gente olhava pro céu, besta de tudo, e achava que ia ver algum avião de guerra cruzar o céu, ou uma bomba, ou um míssil.
A gente achava que não ia ver nada, que, de repente, iam apagar tudo, nada mais ia funcionar e a gente ia tudo virar cinza numa nuvem de calor atômico.

Naquela noite de 12 de janeiro, bestas de tudo, a gente deu as mãos na escada da frente da porta da Si e rezou pra que o mundo não acabasse.

A gente fez isso sério.

Lembro que teve alguém que chorou e nem fui eu.
E, no dia 15, confirmou-se a guerra armada.
Nada mais de bloqueios, de sanções.
Nada disso.
Ficamos mais de um mês esperando a bomba atômica que não vinha e, de repente, tiraram o Pedro Bial, que, sorridente, trabalhava na cobertura do Rock In Rio, e mandaram o canalha pro Iraque e a gente pode ver a guerra pela TV, como se fosse videogame e a gente ficou até o fim do ano com o cu na mão esperando pra ver o que a União Soviética ia fazer.

O que ela fez foi o seguinte: acabou.

O leste europeu tava todo fodido e, mais que fodido, era matéria de vestibular.
Você tinha uma banda e sua banda inevitavelmente falaria sobre o fim do mundo. O REM fez “It’s The End Of The World As We Know It (And I Feel Fine)”. O U2 fez “Until The End Of The World”.

Naquela época, também, a discografia do Bowie ia sendo relançada no Brasil e “Five Years” do Ziggy Stardust fazia mais sentido que nunca – talvez a gente não tivesse nem os tais cinco anos que a música previa.
Talvez não desse tempo nem de chorar.

Em 1991, eu tinha sempre o mesmo sonho.
Eu sonhava que estava com uma menina na cama – ela nunca tinha um rosto definido – e, pelo rádio, vinha a notícia de que as bombas já estavam voando, pra todo lado.
A gente olhava pra fora e o céu estava vermelho e a gente decidia que, com fim do mundo ou sem fim do mundo, a gente ia continuar fazendo o que estava fazendo e gozava ao mesmo tempo em que a bomba explodia.

O mundo ia acabar e eu ainda era virgem.

Isso foi os anos 80.
Uma nóia de pó que virou realidade.

Hoje, 12 de abril de 2009, dia da ressurreição, tive esse sonho de novo.
E com você.
Só que, dessa vez, ao contrário.
O mundo era outro, o fim era o mesmo, só que, quando tudo acabava, a brincadeira continuava a vida toda. Então, um outro mundo nascia no lugar do velho, enquanto eu, contava as estrelas pelo seu corpo e você me dizia, com as covinhas mais lindas do mundo abrindo aspas em torno do seu sorriso, que o fim do mundo, pra gente, é só o começo.
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1 comentários:

Chai disse...

Que texto lindo, Fer. Lindo, lindo, de chorar - e confesso que terminei com uma ou duas lágrimas teimando aqui. Estou pensando em como dizer que o mundo não pode acabar enquanto houver esse suspiro poético em algumas pessoas por aí - mas, deixa pra lá, quem é que entende dessas coisas? Não entender é, no final das contas, o próprio caminho. Beijo!