30.5.08

Falando de amor com Fernando Tucori





Se você quer aprender a amar, esqueça.
Faz como quem põe leite pra ferver e sabe que o leite só ferve quando você não está olhando. Faça como aquele personagem do filme "Mistery Men", o Garoto Invisível, que só fica invisível quando ninguém está olhando.
Amar, caramada, acontece.
Como aconteceu esse erro de digitação: ia escrever "camarada" e escrevi "caramada".
Acontece.
E acontece, geralmente, quando você não está olhando, porque quem está olhando está pensando e quem está pensando não enxerga.
Amar não é pensar. "Tente racionalizar o amor e perderá a razão", diz um ditado francês e, segundo dizem, franceses entendem de amor, mas eu não entendo o bastante de franceses para confirmar.
O amor é o Mestre dos Magos da vida.
Quando você está distraído o bastante, ele aparece, resolve todos os seus problemas com a maior facilidade e fica invisível sem se explicar.
Não tente explicar.
Não tente definir.
Definir é matar. O amor sugere, porque sugerir é criar.
Se você quer aprender a amar, esqueça.
Esqueça o amor que circula nas ruas, estampado em outdoors, gritando em campanhas publicitárias e esqueça esse amor que foi dissecado pelas ciências - pelas ciências, meu Deus, pelas ciências!! - embalado com perfumes caros, estampados em roupas de grife, com reservas em restaurantes chiques e com certificado ISO-9002.
Esqueça tudo isso e lembre-se: amar, assim como a arte, é absolutamente inútil.
Na última coluna, falei sobre revolução e, agora percebo, falava sobre o amor.
Teve gente que comentou comigo: "esquece... não existe revolução".
Depois de digerir a resposta por horas, ponderei: que pena que não existe revolução para você.
Quem não acredita na possibilidade de revolução, não acredita na possibilidade de amar, porque amar é, justamente, a verdadeira revolução. Uma revolução que é tua. É como se você mudasse a casa da sua alma. Você pega tudo que dava como seguro, certo e correto e troca - sem garantia nenhuma de retorno - pelo inseguro, pelo incerto e pela dúvida.
Em "Me Liga", dos Paralamas, Herbert Vianna canta "teu exército invadiu o meu país".
É isso que acontece.
Imagine um exército invadindo um país. Agora, imagine que esse exército é bem vindo. Agora, imagine que os exércitos deixem de existir e os dois países se unam em um só, admitindo que são dois, mas dividindo comida, dividindo cultura, todos os seus hábitos, interpenetrando suas almas e inteligências.
Imagine que eles nunca se perguntam se a vida não era melhor antes da invasão.
Se perguntam, não respondem.
Se respondem, não entendem a resposta e essa resposta permanece como uma dúvida eterna, um post-it amarelinho lembrando você de que tudo - absolutamente tudo - é uma dúvida eterna que encontra em sua insolubilidade sua suprema graça.
Não pense.
Se você pensar demais, vai acabar encontrando um bilhão de motivos pra não amar.
Se você não pensar - porque o único motivo para amar não pensa - se você apenas disser "e se eu querê?"... Esta lá a flor - a mais linda flor do mundo - cravada na beira de um abismo aterrador. Você vai lá e colhe a flor e alguém te diz "e o abismo?" e você responde "que abismo?".
Em um mundo de dominados e dominadores, fica meio inconsistente qualquer defesa à entrega. É preciso que haja entrega, que não haja comando nem autoridade.
Entregar o que pra quem? Por quê?
Não sei.
Esta é a resposta: Eu não sei.
A única coisa que eu sei dizer é que existe a possibilidade de você dar tudo que tem e ficar com mais do que já tinha, mas isso é uma coisa que só vale se você responder pra você. A minha resposta vale tanto quanto um bilhete numa garrafa trazida pela maré.
Sei que é duro convencer alguém de que a vida pode ser melhor com uma coisa se, sem ela, a vida vai continuar a mesma. É igual em Matrix, quando Morpheus oferece a Neo a opção de decidir entre a pílula azul e a pílula vermelha. "Você toma a azul e acorda na sua cama, acreditando no que quiser acreditar. Você toma a pílula vermelha, permanece no País das Maravilhas e a gente vai ver até onde vai o buraco do coelho". Antes disso, ele lembra: "É um caminho sem volta".
Não dá pra defender o amor. Mesmo porque, depois de consumado, ele ainda é inseguro, ele ainda é inconstante e ele ainda pode ser doloroso.
Amar dói, sim, porque é um compromisso que você assume com o seu próprio crescimento. Você admite que não vai mais inventar um personagem para você mesmo, que não vai mais aceitar invenções sobre quem você é. Você cansa disso porque tantos anos se passaram e... quem é que te conhece de verdade? Então, caem todas as máscaras e, no amor, fica sua verdadeira face humana, com todos os defeitos e qualidades, no mesmo pacote, em constante movimento.
Se por um lado, há a dor de descobrir quem você não é, existe, do outro, a alegria de descobrir coisas novas sobre você o tempo todo e em velocidade espantosa. Só espero que, na hora que a dor se mostrar, você lembre que ela é parte ainda do que te faz forte.
O que eu sei sobre amar é isso: nada.
Sei que, as vezes, a gente não entende o amor e que isso é plenamente aceitável.
Quando a gente começou a aprender os fundamentos da matemática, a gente não aprendeu que existe o "Pi"? A gente não aprendeu que "Pi" - arredondando - é igual a 3,14?
Por que é tão fácil pra gente aceitar que existe um "Pi" e tão difícil reconhecer que existe outra coisa que também é natural, irracional, inconstante e infinita?
Acho que é porque o "Pi" a gente pode arredondar.

Nota final: Se você é um daqueles que gosta de coisas exatas, clique aqui e confira os incríveis dez mil primeiros dígitos do "Pi".
Share:

2 comentários:

Maria B. disse...

Vou imprimir o teu post e colar no meu mural para eu ler sempre e não esquecer, porque sempre faço tudo ao contrário!
bjos
p.s.: já viu o filme Pi? Um dos meus preferidos...

Kakaya disse...

Adorei tá!
Era tudo que eu precisava ler ;)
Pra espantar aquele medinho que comentei com você.Agora ele foi, mas volta e meia ele volta :P