we belong together
existem músicas pra tudo, eu acho. se eu tivesse que escolher uma música pra esses dias, ela seria “every little thing shoe does is magic”, mais pelo título que por qualquer outra coisa (é, eu escolho músicas pelo título, às vezes).
vê ontem por exemplo.
ontem que eu digo, embora nas minhas medidas de tempo possa ser “anteontem”, tecnicamente é ontem. porque eram duas da manhã e eu tava enroscado com o finalzinho de um texto pra go outside.
o texto todo tava redondo, fala sobre celebridades que inventam de fazer esportes radicais pra divulgar causas nobres, mas faltava o finalzinho dele.
normalmente essa seria a hora de pegar um café e ir pra janela, de cigarro e canequinha – tchupléc-tchuplim – olhar o mundo.
isso se não fosse mais de duas da manhã e eu não precisasse acordar cedo no dia seguinte pra uma reunião que eu tinha medo que me cortasse o couro em tiras e servisse como torresmo na feijoada de quarta, que é hoje. eu sabia o que ia acontecer se tomasse café as duas da manhã: ia ter música alta e dança da enceradeira até o dia clarear. a reunião de manhã cedo (onze da manhã é cedo pra caralho) fazia com que isso fosse posto fora de questão.
quando eu vi, já tinha aberto o pacote de tubinhos, tinha desistido do cigarro e mastigava um deles no canto da boca. sabe aqueles tubinhos doces (tem os azedos também, mas estes são doces)? então: esses tubinhos.
nemplanejeinada.
nem deu tempo de chegar à janela e a mágica aconteceu.
voltei ao computador e fechei o texto de vez.
como de costume, não enviei.
deixei pro dia seguinte.
fui dormir e acordei com aquela camiseta verde, aquela com um perfume encantadoramente familiar, grudada no rosto, por baixo do travesseiro.
vim aqui ver o texto e parecia que outras mãos tinham brincado com ele.
enviei.
lembrei então do meu pai, no sábado, brincando que nem criança. e lembrar é só um modo de dizer, porque você não esquece uma coisa dessas de jeito nenhum.
as reuniões de ontem foram longas e foram boas e, nem de longe, meu couro se sentiu ameaçado. voltei pra casa ouvindo beatles de novo e desci uma rua antes da peixoto gomide dar na frei caneca, só pra passar no meio daquela nano-festa-junina que a gente viu no domingo.
ontem, antes de dormir, levei nelson rodrigues pra cama e, deitado lá, vi um cachecol preto pendurado por cima do meu casaco bicolor no mancebocop.
ainda sentia o calor daquela conversa sobre a beleza dos pronomes possessivos e o verbo “pertencer” fez-se indubitável quando me enrolei no cachecol pra dormir.
o mesmo perfume familiar.
acordei ainda enrolado nele e, agora, o perfume que havia nele está em mim e eu não quero tomar banho.
dizer que fui dormir e acordei pertencendo a você seria bonito, mas também seria mentira, porque eu já pertencia antes.
bem antes.
dia a dia, minha impressão é que minha vida toda me levou até aqui, onde estou agora, e pertencer a você não foi uma escolha.
é uma constatação tácita.
você sempre teve razão: resistance is useless.
eu pertenço a você.
1 comentários:
Eu posso ouvir daqui os sininhos a tua volta. Estou lendo de longe o brilho intenso dos teus olhos.
O 'singing in the rain' de vocês é deliciosamente encantador. Apaixonantes.
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