eu também quero subir pelas paredes
(foto de patricia grigio)
O Chico era um cara sensacional. Ele era o porteiro da noite da 89 naquele ano em que comecei a trabalhar lá, em 1995. Trabalhávamos lado a lado, o Forlani e eu. Nossa função lá era atender os ouvintes que ligavam pra rádio entre 19h00 e 01h00. Foi uma época boa pra caralho.
De tarde, quem atendia era a Susan e, de manhã, o Paulo Zappa.
Fazer amizade com o Forlani não foi uma coisa muito difícil. A gente lia os mesmo gibis, ouvia músicas parecidas e acho que, de certa forma, é assim até hoje.
O Chico não.
O Chico era uma pessoa que, só de olhar, você ia perceber que ele não estava a fim de conversa. Ele sempre usava camisetas da rádio. Algumas delas estavam tão puídas que os pêlos do corpo dele – e ele era peludo pra caralho – passavam por entre os vãos da malha e os estagiários riam disso, escondidos.
Só que o Chico era um puta cara legal. Você não podia folgar com ele, é claro – mas, também, quem é legal com gente folgada. O Chico gostava das coisas feitas do jeito certo e, pra ele, ordens eram ordens. E ele só recebia ordens do dono da rádio. Por isso, ele era o homem de confiança do cara. Porque, depois de tantos anos recebendo e cumprindo ordens, você garante esse status.
Assim sendo, fui percebendo que, se eu deixasse o Chico em paz, ele me deixaria em paz também. A gente foi conversando, ele foi me ensinando coisas sobre a rádio e, quando foi ver, a gente já tava amigo. Acho que foi no dia que um ouvinte me ligou perguntando se aconteceu alguma coisa, porque a rádio pegava na casa dele e, naquele dia, não estava pegando. Disse que ia ver e comentei com o Chico, pra ver se ele sabia com quem eu podia falar a respeito do assunto. Ele coçou a cabeça, perguntou se eu sabia de onde o rapaz que ligou era, eu disse que era de Ribeirão Pires e ele disse “vem comigo”. Ele me levou até o transmissor da rádio, ms não me deixou entrar. Ordens são ordens e ninguém entrava ali. Depois soube o porquê. Ele foi lá, tirou a rádio do ar uns segundo e mandou ver um reboot no transmissor. “Liga pro menino e vê se resolveu”.
Liguei pro menino. E tinha resolvido. “Tá pegando melhor que nunca agora”. E me agradeceu de verdade – o que era pagamento maior que os cem conto que a gente ganhava na época. Foi lá comentar com o Chico e ele disse na maior simplicidade: “Olhei lá e uns vermelhinhos que antes tava nos 70, agora tava na casa dos 30. Desliguei e liguei de novo e aí, foi pra 90. Ficou melhor, não ficou?”.
É.
Ficou.
E eu fiz esse preâmbulo todo pra mostrar quem é o Chico de verdade – um cara legal, porque ele, as vezes, podia ser um primor de grossura. As histórias das lendárias brigas dele com o Morcegão eram lendárias. Diziam que teve uma vez que voou leite pra tudo quanto era lado da cozinha.
Houve uma vez também, que o Renato Russo chegou na rádio, estava atrasado pra um programa e achou que podia passar batido pela portaria. Ledo engano. Ele ainda tentou argumentar e disse o Chico: “Sabe quem eu sou? Eu sou o Renato Russo!”. Ao que o Chico, primorosamente respondeu: “E você sabe quem eu sou? Eu sou o Chco da 89!”.
Só que não é isso também.
Tem uma ainda melhor do Chico, que foi na época que eu atendia telefone da madrugada, já sem o Forlani e tinha aquela promoção com a música “Spiderman”, dos Ramones. A música tocava, você tinha que ligar e dizer a frase “eu também quero subir pelas paredes”. Aí, no fim do dia, você podia ganhar um curso de alpinismo indoor. Na épica época de Rogério Cappia na promoção, não se brincava em serviço, meu velho.
Só que na 89, havia dois telefones. O telefone do ouvinte e o telefone comercial. Os ouvintes, as vezes não sabiam o telefone da rádio e ligavam no auxílio à lista e, lá, eles davam o telefone da rádio – o comercial.
Se, por um lado, quem atendia o telefone do ouvinte – no caso eu – era um primor de educação, por outro lado, quem atendia o telefone comercial era o Chico.
Numa dessas noites, a música tocou. Tentei atender o máximo de ouvinte que fosse possível e deixei o telefone fora do ganho na música seguinte, pra não ter que lidar com mimimi de quem não ligou na hora certa.
Levantei e fui tomar um café.
Quando eu já ia voltando pra minha mesa, me chega o Chico, coçando a cabeça, e me vem com essa:
" Escuta, o Fernandinho.... Esses ouvintes daí da rádio, eles não são meio esquisitos não?"
"Esquisito como, Chico?"
"Esquisito de viado. Agora mesmo ligou um lá no meu telefone, eu atendi e ele me disse: ‘eu também quero subir pelas paredes”. Disse a ele: ‘o cu é seu e você faz o que você quiser’. E desliguei o telefone”.
4 comentários:
Ô Fernandinho, já sei porque eu nunca liguei pra promoção nenhuma de porra nenhuma. Eu não faço idéia do que ia fazer com um curso de alpinismo indoor. Eu moro em Petrópolis e experiência em escalada é de fábrica aqui. Caqui. Preferia ganhar 2 horas num pula-pula gigante =|
Na Brasil, para mim, sempre foi [e ainda é] o Seu Roque. Não sei se é o nome dele, ou se é inspirado no amigo do Silvio Santos.
Mas só de ter Forlani e Zappa como cia, já vale o dia!
Aquele!
Huahauahuahaahauhahahah. Mas eu detestava ele, desculpa. Gentileza NUNCA é demais, e pra quem é muito, faz uma falta crucial não receber na mesma moeda.
é ordem do neneeeto! abs, fê. daibem
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