uma palavra escrita em verde num pall mall azul
Em 1992, desenvolvi uma mania curiosa.
Quando um dia era muito feliz, eu guardava – se possível – um cigarro daquele dia. Escrevia nele alguma coisa que lembrasse de onde ele vinha e deixava numa caixinha especial, dentro do armário que tinha no meu quarto, na casa da minha avó. Um dia, quando as coisas não estivessem assim tão boas, eu sabia que podia fumar um daqueles cigarros e rezar por dias melhores.
Lembro de um show que teve no ginásio do Ibirapuera, que era beneficente e que, pra entrar, tinha que doar um agasalho.
Lembro também que foi naquela época negra em que eu tava brigado com TODAS as meninas da turma porque gravei merda em cima da fita que elas gravaram falando coisas bonitinhas e pretendiam enterrar pra ouvir no reveillon do ano 2000.
Lembro ainda que doei um agasalho que nem era meu e, se não me engano, o dono não sabe até hoje.
Eu me lembro, sim, eu me lembro.
Teve show de uma pá de banda.
Foi logo depois que o Nirvana inverteu tudo na música e fez um monte de bandinha independente cair no mainstream e um monte de banda consagrada ser relegada à segunda classe.
Os shows foram do caralho e, entre todos eles, o que a gente mais queria ver era o do Ratos de Porão.
Lá na frente do palco, estávamos o Testa, o Américo e eu.
A gente já tinha feito amizade com o povo que tava lá e tinha um casal bem gente boa, com um outro cara que parecia ser irmão da mina.
A merda foi que, do nada, o Américo sumiu.
Olhei pra trás e ele tava indo atrás de um moleque.
Ele estava sem boné e essa era aquela época em que o Américo só usava boné.
O boné estava na mão desse molequinho que ele perseguia.
Quando o Américo alcançou o moleque e arrancou o boné da mão dele, um outro cara, vindo do meio da multidão, meteu a mão na cara dele e veio vindo na minha direção.
Fúria, pra mim, é encostar em amigo meu.
Sei que, quando o mundo clareou, eu tava segurando o cara pelo pescoço, ele tava me batendo nas costas, vinha um outro pra cima de mim e eu quebrei o nariz dele com o cotovelo antes de soltar o cara.
O moleque gente boa que devia ser irmã da mina do casalzinho tava arrancando sei lá o quê da mão docara que eu tinha pego pelo pescoço.
Naquela época, eu usava uma carteira preta de couro e mostrei rapidamente como se ela valesse alguma coisa e disse, alto e no tom mais ameaçador que consegui: “ACABOU,CARALHO! ACABOU! ISSO MIA AQUI!”.
O Testa, que era faixa preta de karatê, nem viu o pau comer.
O moleque que eu nem conhecia me mostrava com o que o cara tava me batendo nas costas. Um estilete, com a lâmina quebrada. A menina, que devia ser irmã dele, estavac om a lâmina na mão e o namorado dela me explicava que, assim que ele tentou meter o negócio nas minhas costas, a lâmina se partiu em três. Se o cara tivesse deslizado a lâmina pela minha pele, este post estaria sendo escrito só por metade de mim.
Estilete corta, mas não fura.
Graças a Deus.
Não tinha jeito.
Eu tinha que sumir dali.
O Américo já tinha sumido e o Testa não tinha nem aparecido.
Fui procurando o Américo em todo o canto, na enfermaria e em todo lugar e, por fim, encontrei com ele lá na arquibancada (é, eu descobri o Américo), junto com as meninas, contando pra irmã dele, a Tati, o que tinha acontecido.
A Tati era, de longe, a menina com quem mais eu me arrependia de ter dado aquela mancada porque ela era muito, mas muito legal.
Lá, o Américo chegou pra mim e disse, sem graça: “valeu”. Sendo ele o Américo, naquela época, isso foi praticamente um solilóquio.
A Tati, então, meio que disfarçou e disse assim: “obrigado por defender meu irmão”.
Naquele dia, eu me lembro, guardei um cigarro - um pall mall azul - e escrevi nele em verde: “obrigado”.
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