26.1.09

A edificante história da porca e da mula





A gente tava na praia e aquela menina já vinha causando fazia uma cara.
Imagina que, na noite de reveillon, fazendo graça, ela quebrou a geladeira de isopor que levava toda a bebida.
Ainda assim, ninguém bateu nela nem nada.
E isso já vinha de antes, quando ela inventou de levar uma piá de 15 anos pro meio de um covil de perdição. Ainda assim – lamentavelmente confesso – ninguém usou a virginal ruivinha para rituais satânicos.
Mais ainda: a tal menina não pega um coitado qualquer na praia, bota o cara pra pagar tudo que ela inventa de pedir e some da casa?
Se fosse só sumir, vá lá.
Mas ela sumiu e deixou a ruivinha de 15 anos pra gente tomar conta.
A ruivinha nem era má, sabe?
Era travada, preconceituosa e achava que, porque era bonitinha, ia conseguir tudo que queria.
O problema maior não era nem tanto o quando a ruivinha podia encher o saco, mas é que a facada foi maior. A menina foi embora com o dinheiro da ruivinha e ninguém ali confiava em nenhuma das duas.
A gente até que foi legal e fez a dela várias vezes, emprestou grana e tudo mais.

E de que adiantou?

De repente, tava chegando o dia em que a gente ia voltar pra casa e era a hora fatal – a hora de acertar as contas. Daí, tinha tudo: tinha a gasolina, tinha o aluguel da casa que a gente tava, as compras coletivas e essas coisas todas.
Encontramos a menina – mais velha, a do começo da história – na praia.
Não que a gente estivesse achando que ela ia dar um jeito de dar um cano – a gente tinha certeza absoluta que era isso que ela ia fazer. Achamos que seria bom avisar a menina que a gente ia fazer uma reunião pra acertar as contas.
Só que, no meio do caminho, achei melhor botar um adendo.
“Mas olha: não vai pra casa ainda não porque, primeiro, a gente vai passar na cachoeira. Passa mais tarde, acerta sua parte e aproveita pra ver o que fazer com as suas coisas, que estão todas lá”.
Aí, eu vi aquele azul dos olhos dela arroxear em sangue fervente.
As roupas dela estavam todas lá na casa.
A mala dela estava lá.
Tudo que era dela estava lá.
A gente se despediu e foi cada um pro seu canto.
Só que, antes de ir pra cachoeira, achei por bem dar uma passada na casa e trancar a mala da menina dentro do porta-malas do meu carro. Não só eu, mas a maior parte do povo achava que ela ia engolir a isca do “estamos na cachoeira” e aproveitar esse ínterim para entrar na casa e levar a mala dela embora, livrando-se assim de quaisquer ônus relativos à viagem e à estadia.

Ledo engano.

Quando a gente voltou, evidentemente, a casa tinha sido aberta e nada havia sido levado.
Todo mundo sabia que a janela do quarto em que ela ficava junto com a ruivinha era frouxa e, pra entrar, não precisava muito.
Justamente aquela janela tava aberta e as coisas dentro do quarto estavam todas remexidas.
No banheiro, o caos.
Tinha até absorvente interno – o tal O.B. – jogado do chão.
Lembro que alguém disse “se eu não tivesse nojo, pegava esse ob e botava dentro da mala dela”. Acho que foi minha irmã que encapou a mão com um saco plástico, pegou o O.B.sanguinolento e meteu dentro do bolso de trás da calça branca que a menina tinha usado no reveillon.
Não tenho certeza disso porque, naquele mesmo momento, eu estava na varanda, com o isqueiro em punho, abrindo buraquinhos nas roupas que pareciam ser dela.

Fui pegar a mala dela no carro.

Você já tomou antibiótico alguma vez na vida?
Se você tomou, você sabe que isso deixa seu mijo tão forte que ela fica praticamente sólida.
Foi aí que abri a mala dela em cima de uma pedra, afastei um pouco a roupa – porque, afinal, eu não estava a fim de proteger ninguém – e despejei o jato de mijo mais purulento que meu corpo foi capaz de produzir entre as suas lindas e elegantes roupas.

Bastava?

Teria bastado.
Problema foi que a menina voltou pra casa, na hora marcada pra reunião, achou a mala e não ouviu ninguém comentar nada a respeito do caos que ela havia deixado na casa. Nem um relancezinho de ira. Tudo na mais santa paz.
Pelo menos até que ela dissesse que não teria grana pra pagar, mas a ex-mulher do Américo – uma coisa, aliás, da qual o Américo se livrou faz bastante tempo – disse que bancava.
Aí, ela e a tal ruivinha – cuja dívida de 30 reais eu havia perdoado – começaram a questionar tudo aquilo que não se questiona. Ela queria, por exemplo, que fossem descontados os dias em que ela dormiu na casa do rapaz e a gente ia tentando gentilmente explicar pra ela que, se ela tivesse avisado antes, a gente pensava em desconto, mas já estava um pouco tarde pra esse tipo de coisa.
Uma coisa que elas reclamaram foi dos cigarros.
De fato, elas não pegaram nenhum cigarro do estoque que a gente fez.
Porém, elas sempre pegavam cigarros nossos e diziam “amanhã, te compro um maço”.
Amanhã chegou e, como elas não pagama maço nenhum, o valor foi rachado igualmente.
O que era justo, afinal, o maior fumante de lá, que era eu, tinha trazido seu próprio estoque e, ainda assim, tinha entrado na partilha.
Combinado é combinado.
“Tá bom, eu pago os cigarros também. Mas eu quero um maço cheinho, bonitinho, só pra mim porque eu quero fumar esta noite”, ela disse.

Legal.
O que a gente fez?

Foi pro centro, esperou a menina sumir, comprou um suco de laranja e guardou junto com a cerveja.
A cerveja acabou e o suco continuou lá. Afinal, tínhamos planos para aquele suco de laranja.
Passamos na farmácia e compramos purgante. Não daquele em comprimido, que tem que esfarelar e, geralmente, fica tudo acumulado no fundo. Não queríamos essa margem de erro. Compramos purgante em gotas mesmo, aquele que, misturado ao suco, dava só a impressão de que ele estava meio amargo e só.
Voltamos pra casa e rolou o que esperávamos.
No mesmo momento em que fechamos a conta, elas fecharam a cara.
A gente, então, ofereceu – na maior meiguice do mundo – aquele maço cheinho e bonitinho que elas tinham pedido.
Marlboro vermelho.
Clássico.
Em cima da cômoda do quarto em que elas ficavam, antes mesmo que as duas se bandeassem pra lá, já estava uma irresistível garrafa de suco de laranja, suando de tão gelada.
Alguém então, proclamou da cozinha: “A gente tá sem água potável. Quem vai querer ir na bica pegar água?”. As duas devem ter dado aquela checada em volta, perceberam a garrafa de suco de laranja e, partindo do princípio que já era delas, gritaram de volta: “vai lá que a gente tá de boa”.
E a gente nem foi.
Só fingiu que foi.
E as duas ficaram no quarto conversando por horas.
E fumando por horas.
E, 15 em 15 minutos, alguém passava pelo corredor, observava o nível de suco de laranja baixando paulatinamente e vinha comemorar com a gente na varanda.
Antes que soasse o toque de recolher imposto pela partida na manhã seguinte, a garrafa já tinha ido pro saco.
Ao cair da noite, na penumbra da casa, o povo que dormia na sala se agitava cada vez que ouvia um barulho de porta. Eu fiz minha cama no corredor porque queria ter certeza de que daria certo.
Na alta madrugada, aquilo parecia cena de perseguição de desenho do scubidu. Abria uma porta de um lado e passava alguém, fechava a porta do outro lado e abria mais uma, em outro lado, e ficou até fila no banheiro.
O Paxá, coitado, caiu no golpe da hortelã do mato (que é uma outra história impagável, que conto depois) e dividiu o frenesi sanitário que se instaurou naquela última noite em ilhabela no ano que a cassia eller morreu.
E eu juro: se o Paxá não tivesse ficado com o cu frouxo também, eu jamais teria devolvido o papel higiênico pro banheiro.
Queria ver aquelas duas limpando o orobó à canina.
Ou seja, arrastando na grama até ficar verde.
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