6.9.08

17 anos sem 51






Durante todo o tempo em que eu estive no colegial, começando um pouco antes e terminando um pouco antes também, o que eu mais bebi foi 51.
Nada de cerveja.
Era pinga mesmo.
Agora, lembrando de como tudo começou, chega até a ser bonito.
Acho que, antes de qualquer coisa, foi com o Se Young, um coreano gente boa que estudou comigo na oitava série. A gente voltava pra casa a pé e, só pra mostrar que ninguém mandava na gente, a gente fumava e bebia em cada boteco que passava.
A brincadeira virou quase um ritual com o Luis, porque toda vez que a aula terminava, a gente ia pra um boteco longe da escola e ficava falando de música e bebendo 51.
E por que 51, afinal?
Em 1988, eu tinha 15 anos e começava minha carreira de nerd de maneira promissora. Tudo que eu conseguia juntar era gasto em gibi e em fitas k-7, porque eu só teria um toca-discos só meu lá pro começo de 1992.
Naquela época, se você esteve nela, não dava pra saber com que preço o gibi ia sair na banca, nem quanto ia custar a fita k-7. Do nada, tinha uma nova moeda, cortavam três zeros da moeda antiga e dinheiro na mão era perder dinheiro.
Pelo menos era assim que eu via as coisas.
O que eu conseguia juntar era tudo que eu tinha e tinha que gastar logo antes que o tempo virasse.
Por isso, beber pinga era a coisa mais barata que havia e isso nunca afetava os recursos do tesouro nacional.
No primeiro colegial, a gente começou a beber cerveja porque queria que as meninas bebessem com a gente também, só que, quando a gente ia almoçar em algum lugar mais distante, era fato que ia ter bombeirinho, porradinha e pinga pura.
Nessa época, havia uma turma bem numerosa que se escondia no banheiro atrás da quadra pra fumar todo intervalo.
Nessa época também, a gente começou a trazer coisas diferentes pra beber.
O Alex arrumou pra todo mundo uns potes que pareciam uns tubos de ensaio com tampa de rosca e, com eles, cada um trazia sua dose de casa. Na hora do intervalo, quem entrasse no banheiro ia achar que tinha uma festa.
A festa do banheiro acabou quando alguém pôs uma bomba lá embaixo e chaveou o banheiro por fora, sem ninguém lá dentro. No final da quarta aula, a explosão tremeu tudo e quem chegou lá quando a porta foi aberta garante que o teto tinha ganhado insofismáveis estalactites de merda.
Nessa época, roubei uma garrafa de JB (o jotabêbado) do meu avô e ela sustentou sozinha praticamente todas as primeiras festas. Depois que a festa acabou, porque o diretor mandou que aquele banheiro lá de baixo NUNCA MAIS fosse aberto, a gente passou a fumar entre as mesas de ping-pong e deixou pra beber só do lado de fora.
Esse espaço durou até eu me formar e, se bobear, existiria ainda hoje se o colégio Anglo Latino não tivesse falido.
Era uma bosta porque, assim que o diretor botava a cabeça na janela da escada, cada um corria pro seu lado e, geralmente, batia cabeça no meio.
No segundo ano, a coisa passou a ficar mais divertida.
Minha classe do segundo ano era legal até, mas cheia de atletas.
Eram poucos os atletas que bebiam e, desses, nenhum estava na minha turma.
Por outro lado, o Luis tinha bombado e tinha caído na mesma classe que um monte de outros amigos meus, que também tinham bombado e estavam fazendo amizade com todos os outros alunos novos que geralmente entravam no primeiro colegial.
Tinha o Mário, o Montresol, o Celsinho, o Juliano, o Tadashi e era o bando mais filha da puta e mais engraçado que eu já vi junto na vida.
Todo mundo bebia e todo mundo dava vexame.
E a gente era a fim de dar vexame em TODO LUGAR.
Isso fez com que algumas manhãs em que a gente matou aula e foi pro shopping, ou mesmo em que ficou vagando pelo parque da Aclimação, fossem memoráveis.
Os jogos das olimpíadas intercolegiais – tipo Olianglo, Oliarqui e Copa Dan'Up – viravam eventos épicos e tudo era divertido pra caralho.
Foi no segundo colegial que eu apareci bêbado num jogo de handebol e joguei uma bola tão forte na tabela de basquete que o Bira, que tava apitando o jogo, passou o resto do dia rindo da minha cara.
A saideira com 51 foi numa viagem que a gente fez pra casa do Nelsinho, em Itatiba. A gente já tinha ido pra lá antes, no feriado de Corpus Christi e, pelo que o Nelsinho me dizia, a Adriana estava louca pra ficar comigo, e, por isso, eu tinha que ir pra lá naquele feriado de 7 de setembro.
Assim que a gente chegou lá, no dia 6, eu liguei pra ela e ela disse que não ia.
Esse tipo de vazio requeria medidas severas e, severamente, o Nelsinho, o Baixinho, o Marcelo e eu fomos até um boteco e compramos duas garrafas de 51 e oito garrafinhas de soda – duas pra cada um.
A gente não tinha copo americano, que era o ideal pra fazer porradinha, mas o Baixinho conseguiu arrumar quatro copos altos na casa dele e no meio da segunda rodada, primeira garrafa já era.
A hora exata de parar teria sido aquela, enquanto a gente ainda estava no parquinho e eu achava tudo aquilo com muita cara de "Sociedade dos Poetas Mortos".
Mas não.
O Baixinho e o Nelsinho pararam.
Eu e o Marcelo seguimos adiante.
Abrimos a segunda garrafa, nos apropriamos das garrafas de soda dos dois cuzões e viramos mais um copo.
O segundo copo desceu mais difícil.
No terceiro, o Marcelo desistiu e eu bebi o dele também.
O que se seguiu daí pra frente foi o pior porre que eu já tomei na vida.
A gente até tentou sair do parquinho e ir a pé pra portaria, onde ia ficar esperando o resto do povo ir chegando.
Sei que eu cortei caminho por dentro de uma casa e alguém - que eu acho que era o
Nelsinho – teve que pedir desculpas eternas pro dono da casa porque eu fodi com todo o jardim dele.
Quando a gente chegou à portaria a pé, eu já ia pedindo ajuda porque o Marcelo tinha desabado e não conseguia mais levantar. Muquiaram o corpo dele atrás de um trator e ele vomitou a noite toda.
Eu tinha outros planos.
Mesmo bêbado que nem um gambá, eu insistia em andar e em provar pras pessoas que eu estava lúcido. Lembro também que eu não conseguia fixar meus olhos no chão quando ia vomitar e tinha que tatear pra não vomitar perto demais. Olhava para o meu relógio e não conseguia ver as horas, mas entendia tudo que as pessoas diziam e respondia com relativa coerência.
Mandei um dos moleques pegar meu casaco e procurar no "bolso esquerdo de cima" por um engov, crente de que, se eu tomasse um engov, tudo ficaria bom outra vez.
Pedi pro funcionário da portaria ligar a mangueira e pedi pra alguém jogar água na minha cabeça.
Estava usando a camiseta cinza da Wrangler que o Pinha tinha me dado de aniversário em 1988 e um casaco de veludo com lã por dentro, que era bem útil pra roubar coisas nas Lojas Americanas.
Lembro que chegou a namorada do Baixinho e veio me cumprimentar com um beijo no rosto e eu não queria deixar. Eu disse pra ela que tava bêbado, mas acho que foi só dentro da minha cabeça. Ela me deu um beijo no rosto, disse pra todo mundo que ia ajudar a descarregar as coisas na casa dos pais e que mais tarde voltaria. Quando ela foi, todo mundo dava risada e falava que tinha uma alfacinha grudado na minha bochecha e que, depois que ela me cumprimentou, a alfacinha tinha sumido.
Nesse mesmo momento, o Marcelo, lá atrás do trator vomitava preto e derretia sacos de lixo. O Nelsinho – se eu não disse até agora, perdão: é irmão mais velho do Marcelo – achou melhor levar o cara de volta pra casa e deixar na mão de deus.
A mãe dele – não lembro o nome dela agora – era professora do colégio e a gente chamava ela de Tootsie, porque ela usava umas roupas parecidas com as do Dustin Hoffmann, em Tootsie. Enquanto o Nelsinho ia levar o Marcelo pra casa, eu ficava esperando, já melhorando, só que com uma dor de cabeça que parecia querer rachar as paredes do crânio.
Deixaram um menino tomando conta de mim e eu já estava voltando a enxergar e conseguia parar em pé sozinho.
Encostei no muro e soltei um peido alto e forte. Ele deu risada e eu disse pra ele, no auge da minha lucidez embriagada: "Você ri porque você não sabe, mas um dia você vai estar bêbado assim e vai saber que, depois de tudo que você já fez, não é um peido que vai queimar seu filme".
Logo depois, o Nelsinho chegou contando o jeito que o Marcelo tinha usado pra queimar o próprio filme. Primeiro que, mal entrou e mandou a avó tomar no cu. Depois, mandou a mãe perguntou o que ele tinha bebido e ele respondeu que tinha bebido pipoca. No banheiro, diante dos olhos da família toda, ele cagou no bidê achando que era privada, se limpou com a própria camiseta e, debaixo do chuveiro, ficou batendo punheta e olhando pra mãe, com cara de desejo. Depois disso, vomitou na cara da avó.
O que eu podia contra isso?
Fui pra lá, me comportei e, apesar de pálido, parecia estar normal.
Cambaleei um pouco e, no banheiro, o máximo que eu fiz foi quebrar a saboneteira com uma cotovelada não intencional.
Perto da hecatombe que o Marcelo havia causado antes, eu era o equivalente a uma visita de um escoteiro vendendo pão de mel.
Depois, veio a ressaca.
No dia seguinte, durante o almoço, o pai do Nelsinho deu um copo de pinga pra cada um de nós.
Na hora que senti o cheiro o meu intestino se revirou imediatamente.
Resisti bravamente, não apenas ao copo de pinga, mas também à imagem do Marcelo que, visivelmente tocado, correu para o banheiro, mas não rápido o suficiente.
Vomitou no corredor mesmo, num jorro que espirrou por entre os dedos da mão e sujou todas as paredes e, inclusive, o teto.
O corajoso aqui vai, pega o copo na mão sem respirar, brinda à crueldade do pai do Marcelo e do Nelsinho e bebe tudo numa golada só.
Meu corpo todo estremeceu e eu não consegui disfarçar um revirar de olhos. Tive a impressão de estar engolindo meu próprio sangue e meu estômago se contraiu assustado e meu cérebro berrou de lá de cima sua ordem para todo o corpo "NÃO VOMITE!".
Engoli em seco e, rapidamente, sorri.
Tinha certeza de que aquela seria a última vez que eu passaria um fim de semana naquela casa.
O pai do Nelsinho tinha ainda mais certeza que eu.
Porém mais do que isso, mais do que qualquer outra coisa, havia uma outra certeza:
eu jamais ia botar uma gota que fosse de 51 na boca.
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5 comentários:

Anônimo disse...

caraca!
Tô impressionada! uahuahuahuahauh

Beijos

Núbia - www.nubibella.com

Anônimo disse...

Huahuahau =)

Acontece o/

Fernanda disse...

Eu ri do começo ao fim!!!!

Muito boa a sua adolescência, definitivamente!

bjs

Lubi disse...

amo suas histórias.

Anônimo disse...

a beira de um colapso de tanto rir!
ai ai, viu?!