Love 'till cryin' shame
(imagem de robert williams - my lord)
Eu deixei que ela falasse o tanto que poderia falar.
Lançava ocasionais olhares atravessados, querendo expressar que não era bem aquilo que eu achava que deveria ser, mas era tudo jogo do cena.
Eu não estava ouvindo sequer uma palavra.
Tudo: os olhares atravessados, os muxoxos decepcionados e as intervenções inflamadas. Era tudo jogo de cena.
Fazia tempo que eu não estava ligando as palavras umas às outras.
Quem é que ia ligar para palavras se elas saíam daquela fenda tão magnífica.
Aqueles lábios poderiam verter veneno e me encantariam da mesma maneira.
Só que não eram apenas os lábios.
Notei que estava quase caindo dentro dos lábios dela porque estava tocando “Idiot Wind” do Dylan e tudo que eu via sair daquela boca era isso, um ventinho idiota.
Antes disso, eu já quase havia caído pra dentro daquele discretíssimo decote e quase me contorcera no momento em que ela descruzou as pernas e eu vi a pele da parte de dentro das suas coxas, macia e fresca, escorregar de um sentido pra outro.
E havia o perfume.
Não era um perfume ostensivo.
Ele estava ali, mas só se fazia presente vez ou outra, como o perfume de um muro de damas da noite no quintal do vizinho.
Quando dei por mim, estava pensando em “TV Eye”dos Stooges, no que eu li a respeito do que significa “TV Eye” - um Twat Vibe Eye, um olhar com vibração de tesão.
Era isso mesmo que eu poderia estar fazendo.
Podia estar comendo com os olhos.
Lembrei do show dos Stooges, no Claro Que É Rock, e na vontade que me deu de trepar.
Não de “fazer amorzinho”, nem de “transar”.
Era de TREPAR.
Ali, naquele momento, com aquela garota.
Ela me lançou um sorrisinho como quem não está muito certa daquilo que está dizendo e eu voltei no tempo e fui revisitando o arquivo de palavras ditas nas gravações de memória recente e não havia nada que indicasse que ela não estivesse certa do que estava dizendo, mas o sorriso escapuliu.
Era o “TV Eye”.
Ela sabia.
Eu sabia.
Iggy sabia.
O movimento foi quase ensaiado, mas foi completamente espontâneo.
Ela levantou, eu levantei, ela desequilibrou um pouco, eu amparei, ela deu um passo atrás, eu dei um passo a frente, ela inclinou o corpo, eu subi a mão
Todas as palavras perderam o sentido em uma respiração.
Assim que tudo se encaixou, o mundo ficava reduzido аquelas respirações que crepitavam como lenha no fogo.
Minha mão subiu por dentro da blusa e puxou o sutiã pra cima pelo meio.
Quando cheguei ao ponto, o corpo dela se espremia contra o meu como uma laranja e eu sentia o suco na ponta de meus dedos.
Lambi os dedos e, em seguida, veio o beijo.
Um beijo de olhos abertos, desafiador.
Beijo melhor que beijo da TV.
Beijo TV Eye.
Olhos que cumpriam cada ameaça que faziam e davam à ameaça um ar displicente.
A gente não sabia mais o que viria.
Só sabia que seria bom.
Todos os panos saíram do caminho e a música soou a noite toda num gemido fremente de um sax enlouquecido de desejo por uma mulher que nunca se há de comer.
Ali morria a música.
Ali morria toda a poesia, porque a vergonha soluçava em prantos e o desejo se consumava com gosto.
Não havia mais o que querer.
Havia o que fazer.
E era trabalho pra toda uma vida.
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