(publicado originalmente no Omelete)
Durante uma época da minha vida, eu quis ser igual ao Groucho Marx, sabe? Eu não sei dizer exatamente quando é que foi a primeira vez que vi o velho Groucho em ação, mas sei dizer que ele não estava em movimento. Sim, foi na palavra escrita. Porque, no princípio, houve o verbo.
"Por favor, aceitem minha renúncia. Não quero ser membro de um clube que me aceita como sócio", dizia. Acho que a primeira vez que ouvi falar dele foi na coluna do José Simão. Talvez tenha sido na peça Liberdade Liberdade. Talvez os dois ao mesmo tempo.
Sei que, tempos depois, passou um documentário sobre ele na TV. Eu lembro de Jack Lemmon dizendo que era simplesmente impossível entrar em uma discussão com Groucho, independente do assunto, porque quando ele não tinha argumento algum contra você, quando você estava insuportavelmente certo, ele simplesmente botava aquele charuto na boca, abria um sorriso cínico e levantava as sobrancelhas com desdém. Aquilo, dizia Lemmon, colocava o mundo contra você.
Aí, na faculdade, a gente tinha um grupo de teatro. Esse grupo de teatro só fazia comédia. Eu ficava fazendo caricaturas do Groucho em todos os cantos. O diretor das peças era o Tony e foi conversando com ele que eu fiquei sabendo de uma ou duas coisas interessantes a respeito daquele Marx chamado Groucho.
Primeiro, aquilo que é chavão e que eu já imaginava: muito do humor dele, por ser verbal e por fazer trocadilhos com palavras em inglês, perdiam o sentido na tradução. Quer um exemplo? Tente manter o sentido dessa tirada, depois tradução: "Time flies like an arrow. Fruit flies like a banana".
Segundo, aquilo que eu não tenho como confirmar. O Tony disse que, anos atrás, foi feita uma pesquisa sobre quem era a pessoa mais querida do mundo. Ele pegou segundo lugar. Em primeiro, ficou um tal de Jesus Cristo.
"Em quem você vai acreditar? Em mim ou nos seus próprios olhos?"
Mas foi quando o Tony disse "você acha que o Pernalonga fica com aquela cenoura na boca por causa de quem?", que meu queixo caiu. O Pernalonga, meu herói, era marxista da ala Groucho. Claro, óbvio, evidente que sim.
Naqueles idos de 79, a primaiada toda ficava reunida na casa da vó Maria assistindo ao Pernalonga na TV. No final, a ala pré-mirim corria pra cozinha e pedia pra vó descascar cenoura que era pra gente ficar roendo pelo resto da tarde. Éramos Grouchos. Todos nós. Menos meu irmão, que tinha uns dois ou três anos e não falava. Era Harpo.
Fascinado com o documentário (aquele com o Jack Lemmon), comprei a autobiografia de Groucho Marx, Groucho e Eu.
Antes de ver o primeiro filme com os Irmãos Marx, eu já tinha lido aquele livro duas vezes.
Groucho e Eu é um livro que eu tive três vezes. Na primeira, dei de presente pra uma namorada, que virou ex e nunca me devolveu. Na segunda, eu dei de presente pra uma namorada, que também virou ex e também nunca me devolveu. O terceiro está em casa. Salvo. E tenho pena de quem botar as mãos nele.
No meio disso tudo, vi meu primeiro filme deles: Diabo A Quatro (Duck Soup, 1933).
Foi aí que eu entendi que dá até pra considerar a hipótese de apartar uma briga na porta de uma academia de jiu-jitsu, mas é virtualmente impossível parar os Irmãos Marx.
Se você quer entender os Marx, comece por este filme. Você não vai entender. Mas comece por este filme mesmo assim, porque é com ele que você vai perceber que não dá pra entender. Tem que acompanhar, tem que seguir correndo atrás deles, porque eles são rápidos como o diabo. E naquele filme, eles eram quatro.
Zeppo é o bonitinho, o cara que catava a mocinha e cantava a música bonitinha. Diabo A Quatro foi o último em que ele apareceu e, talvez por isso, a participação dele seja tão pequena.
Groucho é o rei do humor verbal. Quando ele entra em cena, parece que não vai parar de falar nunca. Ele emenda uma piada na outra, e esta numa terceira e você tem a impressão de estar acompanhando um jogo de tênis, só que tem só uma pessoa na quadra. Você fica completamente sem ação e se entrega pra uma força maior que você. "Você é um homem bravo. Vá e avance além das linhas inimigas. E lembre-se, enquanto você está lá fora arriscando sua vida e seus membros entre tiros e bombas, nós vamos estar aqui mesmo pensando em como você é estúpido", ele diz para um soldado que está indo para a guerra. Isso em 1933, com nazismo, fascismo e tudo mais.
Depois, tem Harpo, que é mudo. Em uma cena, ele atende um telefonema e só responde com sons de buzinas amarradas em volta da sua cintura. O silêncio de Harpo contrasta frontalmente com o falatório de Groucho. Harpo age. E como age.
E tem o Chico, que dá a liga entre os dois. Chico é bom falando e é bom fazendo.
Então, o guia pra assistir um filme dos Irmãos Marx funciona assim:
Se aparecer um deles na tela, desencoste do sofá e preste atenção.
Se aparecerem dois deles na tela, tire o telefone do gancho e desligue o celular.
Se aparecerem três deles na tela, fique com o controle remoto por perto, porque você vai querer voltar e ver de novo.
A notícia de que vários filmes dos Irmãos Marx estão sendo lançados em DVD neste ano e que Diabo A Quatro será um deles, me fez decidir: eu preciso comprar um DVD-player.
Eu não posso dizer com palavras como é a cena em que Chico e Harpo, disfarçados de vendedores de amendoins, brigam com o vendedor de limonada. Não dá pra descrever como é a cena em que Harpo e Chico se disfarçam de Groucho e ficam perambulando pela casa, à noite, sendo perseguidos pelo próprio Groucho.
Por falar em Groucho, seu personagem se chama Rufus T. Firefly e este é o diálogo em que ele conhece Mrs. Teasdale, que vai fazer dele ditador do país chamado Freedonia ("Liberdadelândia"?):
Rufus: Não que eu me importe, mas onde está seu marido?
Teasdale: Como assim? Ele está morto?
Rufus: Aposto que ele tem usado isso como desculpa.
Teasdale: Eu estava com ele até o seu amargo fim.
Rufus: Não me admira que ele tenha morrido.
Teasdale: Eu o tomei em meus braços e o beijei.
Rufus: Ah, sim! Então foi assassinato. Você casaria comigo? Ele deixou algum dinheiro para você? Responda a segunda pergunta primeiro.
É rápido demais. É como tentar acompanhar as balas de uma metralhadora. E é assim sempre. Como eu já disse, é virtualmente impossível parar os Irmãos Marx.
A não ser que você esteja com o teu dedo bem em cima do pause.
Que é exatamente o que eu vou fazer.
Isso não é exatamente um filme. É um testamento imortal de como se fazia comédia no Vaudeville, no início do século 20, uma época que, se você não tivesse terminado de rir da primeira piada quando a segunda viesse, tudo bem.
Tudo bem pra mim.
Marxismo - As marxímas de Groucho Marx (1890-1977)
"Alô...? Serviço de quarto? Manda subir um quarto maior"
"Estes são os meus princípios. Se você não gosta deles, eu tenho outros"
"Ele pode parecer um idiota e falar como um idiota, mas não se deixem enganar: ele é realmente um idiota"
"Eu nunca esqueço um rosto, mas, no seu caso, vou abrir uma exceção"
"Do momento em que peguei seu livro até o que larguei, eu não consegui parar de rir. Um dia, eu pretendo lê-lo"
"Você tem o cérebro de um garoto de quatro anos e eu aposto que ele ficou feliz por ser livrar dele"
"Por que eu deveria me importar com a posteridade? O que a posteridade já fez por mim?"
"Justiça militar está para justiça assim como música militar está para música"
"Se eu abraçar você mais forte, eu vou sair do outro lado de você"
"Fui casado por um juiz. Deveria ter pedido um júri também"
"Ou ele morreu ou meu relógio parou"
"Lembram-se rapazes, nós estamos lutando pela honra desta mulher, coisa que ele, provavelmente, nunca fez"
"Por que eu estou com ela? Ela me faz lembrar de você. Na verdade, ela me lembra você mais do que você mesma lembra você!"
"Por trás de cada homem de sucesso há uma mulher, atrás dela está a esposa dele"
"Women should be obscene and not heard."
"Time wounds all heels."
"Fora um cachorro, o livro é o melhor amigo do homem. Dentro do cachorro é escuro demais para ler"
"Política é a arte de procurar problemas, encontrá-lo, diagnosticar errado e, então, aplicar todos os remédios errados"
"Idade não é um assunto interessante. Qualquer um pode ficar velho. Tudo que você precisa fazer é viver o bastante"
"Um brinde às nossas esposas e namoradas: espero que elas nunca se encontrem!"
"Mande duas dúzias de rosas para o quarto 424 e escreva "Emily, eu te amo, no verso da conta"
"Eu não gostei da peça, mas eu a vi em condições adversas - a cortina estava levantada"
"Aqui temos um homem com a cabeça aberta - dá até pra sentir a brisa que vem de lá"
"Inteligência militar é uma contradição em termos"
1 comentários:
Agora eu sei onde fica a terra natal da tia Freeda.
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