27.6.08

Deixa de Ser Andorinha, Menina!



Eu vou te contar o que eu fiz.
Aí, você presta atenção e me diz se, alguma vez,
você não fez nada parecido com isso,
combinado?

Foi assim:
um dia, eu resvalei na perfeição.
A gente diz por aí, pra quem quer que queira ouvir, que a perfeição não existe, mas faz isso que nem beata orgulhosa que, se cruzasse com Jesus na rua, reclamaria do cheiro dele e não ouviria uma única palavra.

Parece um jeito cruel de dizer isso, mas olha: eu sei me defender.
Se eu não sei reconhecer a perfeição, assim, enquanto ela vai acontecendo, é porque eu tô condicionado a ver essas coisas na tela do cinema e não desse jeito, deitada do meu lado na cama.

Não é que seja perfeito.

É aquilo, como diz Grace Jones, que é perfeito pra mim. Então, pra reparar nisso, tenho que subir duas quadras, pegar tudo que eu posso na locadora da minha memória e assistir outra vez. Desta vez, tomando cuidado pra manter o recurso "comentários do diretor" desligado.

Aí, eu olho pra trás e me vejo agindo como um adolescente suíço, que se mata porque a vida é perfeita demais pra ele. Ele se sente um impostor no meio daquela perfeição toda porque ele sabe que ele não é - na melhor das hipóteses - tão perfeito assim. Na real, ele não é nem um pouco perfeito. Aliás, ele é cheio de defeitos. Assim como eu. Assim como você. E, assim como eu e assim como você, ele fica com medo de que descubram isso e de que percebam que ele simplesmente não pode corresponder àquelas expectativas todas e não há no mundo humilde alma que diga: "Expectativas? Tenho ESTAS, mas, se você não gostar, tenho OUTRAS também".
O que eu faço é o seguinte: eu gosto de uma música e fico ouvindo essa mesma música UM BILHÃO DE VEZES e, quando cansa, vou procurar outra música pra fazer a mesma coisa outra vez e sempre e sempre, amém. Até cansar.

Só que música é isso aí, né?

Neste momento, enquanto você lê esta linha, pelo menos cinco novos blues - mesmo que em cima de velhas bases - foram compostos, só em Itapecerica da Serra.. E pelo menos três deles, pode escrever (ou deixa: eu já estou escrevendo) são caras reclamando porque a menina deles foi embora. E, provavelmente, eles escrevem essas músicas assim, sobre isso, porque eles resvalaram na perfeição, sugaram toda a cota de sorriso latente nela e estouraram os miolos como um pirralho suíço com síndrome de impostor. BANG!

O que eu fiz foi isso: eu ouvi a mesma música um bilhão de vezes e a música era uma pessoa e, se fazem dez mil músicas por minuto no mundo, com pessoas não é bem assim.
Fazem-se mais músicas do que pessoas.

Isso porque a gente passa muito mais tempo sentindo dor do que passa fazendo amor.

Mas eu acredito que deva haver uma mulher no mundo que eu não precise transformar nesse tipo de blues e o que eu estou aprendendo a fazer é me conceder o prazer de escutar uma única e infinita melodia pelo tempo que tiver que ouvir.

Porque, enquanto ela soar,
haverá sempre perfeição
em algum lugar.
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4 comentários:

Kakaya disse...

Li tudo que perdi tá?
Mt bom mesmo, eu ando cheio de idéias, mas elas tem medo do blog...rs!
Comenta no meu pra eu não ficar com saudades enormes?

WodAdmin disse...

Eu queria um universo musical contido numa pessoa só.
Mas acho que é exigir demais...o que também explica muita coisa.

=\

Renatinha disse...

Fernando,
Daonde vc surgiu?
Que texto lindo!
"Isso porque a gente passa muito mais tempo sentindo dor do que passa fazendo amor. " - é a perfeiçnao esta frase.... ;-)
beijos
Re

PS. Vamos tirar estas letrinhas? para postar?

Anônimo disse...

Parece contraditória - e é de fato - a perfeição que há aqui.
Esse foi o primeiro. O primeiro que eu li. Sou o que sou é é por ele. Sem hipérboles e conotatividades - se é que consigo!
Não fosse tua perfeição, eu seria diferente, e falo isso com sincera certeza.

"Deixa de Ser Andorinha, Menina!"
Pois bem, estou tentando e tentando desde o dia em que falou-me; desde o dia em que te conheci.

Mudou minha vida e me arranca um sorriso a cada vez que releio. Sempre; estás dentre as acariciadas páginas de minha agenda.

Bru.