20.8.12

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Com 39 anos, você se já tem licença pra se sentir velho.
Um cara como eu, que fuma um maço de malrboro vermelho por dia, come carne vermelha, azul, amarela, roxa, foda-se a cor, se for carne eu como, toma uma garrafa de café inteirinha e caga meio quilo de bosta antes de dar bom dia a qualquer ser vivente, acredite, tem licença pra se sentir velho.

eu tenho, porém, outro motivo pra me sentir velho porque não consigo parar de lembrar de um lance que rolou em 1991.
e 1991 foi 21 anos atrás.

Veja você: hoje foi meu aniversário e meus melhores amigos me ligaram.
Deve ser porque eu estou muito louco, mas isso me lembrou a visita do fantasma dos natais passados do Conto de Natal do Dickens.
Na minha cabeça, eles são os "fantasmas de aniversário" porque eles são tudo de mais próximo que eu tenho, com exceção à minha mulher e meus gatos.

O Igor é um cara que eu conheço desde sempre e ele já esteve em aniversários que eu nem comemorei. Com a Calu é a mesma coisa.

O Marcão virou meu irmão mais ou menos na mesma época que a Joh virou minha esposa.

O Gladiador, não.
Ele é o cara que trabalha comigo hoje e é o cara que faz o trabalho ser um prazer.
Apesar de TUDO, quando ele está lá, a gente sempre dá um jeito.
Eu gosto de pensar que, talvez, ele seja eu amanhã.
Calma lá.
Não tô rogando praga pro menino, mas vai haver um dia que ele carregará mais de mim que eu mesmo carregarei (e nesse dia, talvez, eu precise ser carregado).

O fato é que o Gladiador nasceu em 91.
quando ele me disse isso, foi como se, até então, eu não soubesse que pessoas nasciam depois de 1990.
"eu tenho roupas mais velhas que você", foi o que eu disse pra ele.

ele nasceu em 1991.

minha camisa xadrez - a original - é de 1989. Print Rip. Loja de fábrica.

1991 foi um ano de merda, em que tudo deu certo, tudo deu errado e, lá na frente, foi o melhor.
eu me fodi, mas resisti.

Foi o ano em que o Faith No More veio pro Brasil, no Rock In Rio, e a primeira coisa que o Mike Patton falou no microfone foi "pelê", assim, com circunflexo no "e".
Foi o que me fez levantar da minha cama e ir até a sala ver o que tava acontecendo.

Foi o último ano que eu vi o Romildo e, agora, em 2012, considero finalmente a hipótese de ir até Montes Claros, MG, pra dar um abraço nele.
O Romildo me ensinou a falar, cara: A FALAR.
Eu preciso ir até lá dar um abraço nele porque, como eu disse antes, aos 39, você já tem meio que uma licença pra se achar velho.
Quando eu tinha 18 anos - era essa a idade que eu tinha em 1991 - eu disse pro Romildo que me achava velho e ele tombou a cabeça pra trás, apontou o bigodão pro teto , que até tremeu com a gargalhada dele.

Mas eu me achava velho mesmo.
Em 1991.
E eu lia coisas sérias, sabe?
Coisas, ahn, "adultas".
Eu lia Nietszche.
Eu lia Thoreau.
Eu fui fuçar em cada um dos poetas que eram citados no filme Sociedade dos Poetas Mortos.
Eu escrevi uma peça sobre um cara que se matava porque achava que ia morrer de qualquer jeito.
Ele tinha um monólogo que era a letra de "Five Years", do Bowie, misturado com coisas que o Alan Moore tinha usado em Watchmen.

No inverno de 1991, os carros do clube de campo ficaram todos cobertos de gelo.
Foi só uma noite e, depois, nunca mais aconteceu.

Em 1991, eu queria ser dentista, mas prestei vestibular pra publicidade.
Chutei C em todas as respostas e fiz 22 ou 23 pontos.
Fiz Fuvest na São Judas e queria voltar logo pra casa pra ver a final do paulista, em que o Raí acabou com o Corinthians e o São Paulo foi campeão paulista depois de ter voltado da segunda divisão.

Depois que acabou o jogo, que eu ouvi pelo rádio, no meu quarto lá na casa da minha avó, caiu uma chuva desgraçada de forte e fazia um barulho tão alto, que eu botei o "ziggy stardust", como se o mundo fosse acabar.

porque, quando 1991 começou, o bush tinha invadido o iraque e a gente jurava que alguém ia meter o dedo no botão nuclear.
e eu podia ser convocado pro exército, porque em 1991, eu completava 18 anos e, jovem, ao completar 18 anos, aliste-se, né?
eu me alistei, fui convocado, perdi o certificado de alistamento, me alistei de novo em 1992 e fui liberado.

Pra você ter ideia de como a porra era séria naquele começo de 91, em 12 de janeiro, quando foi aniversário da Simone - que era tipo minha irmã em 1991 - umas cinco pessoas se abraçaram em roda na varanda da casa dela e rezaram pra que não rolasse bomba atômica.
Tudo, menos bomba atômica.

Era isso em janeiro de 91.

Em dezembro de 91, se não me engano foi um dia 8, chovia como se o mundo fosse acabar e o Corinthians era vice.

Eu fiquei de bermuda, tomando chuva no telhado da casa da vó Maria e achava que o mundo ia mesmo acabar, mas não: foi só o colegial que acabou.

Eu fui pro telhado porque tinha lido "O Menino Maluquinho"e achei que havia uma esperança de que eu acabasse que nem ele, crescendo e virando um cara legal.

Era isso que eu queria ser em 1991: um cara legal.
mas eu tinha medo de que o mundo acabasse.
eu tinha saudade de coisas que nem tinha perdido ainda.

de lá pra cá, o mundo já acabou um monte de vezes, mas eu lembro que, naquela tarde de dezembro de 91, o céu abriu depois da chuva, os trovões foram silenciando e lá

no fundo do horizonte, onde dava pra ver as chaminés cuspindo fogo no pé da serra do mar, abriram-se de lado a lado, dois arco-íris, um em cima do outro.

Em 1991, eles pareciam uma resposta, mas eram o que eram: dois arco-íris brincando de pula-sela.

E, então, veio 1992 que, deus do céu, fez valer o preço do ingresso.

Mas isso não é coisa pra agora.

Coisa pra agora é dar parabéns ao Brunão, que faz aniversário no mesmo dia que eu e acender a vela do meu bolo como que guardando uma reza por dias melhores que eu sei que virão.

Pode parecer uma esperança vazia, mas, num mundo tão cheio de coisas vazias, esta, ao menos é esperança.

Feliz 1992, Fernando Tucori.


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1 comentários:

Gui disse...

É isso aê, dr Tucori. Quando tomamos a devida distância, aquilo que parecia folha revela-se árvore. Parabéns, ainda que atrasado dentro dos limites da concepção de 'tempo' mais aceita. Parabéns! Forte abraço, muita saúde, e todo o sucesso que você de fato merece!