3.8.09

em nome de todos os cafés que deixamos de tomar



Deixa eu te contar como foi.
Começou cedo.
Acordei e fui - com a cara amassada que nem um pão de queijo – dar bom dia pra Joh.
Talvez eu tivesse sonhado.
Não lembrava bem.
Lembrava que naquele estágio entre os “soneca” do despertado, houve um instant-dreamshot em que a Miss Piggy, pessoalmente, havia ligado pra ela e o Homem de Poucas Palavras atendeu e usou com a MP a palavra número três, no chinês: “vatomanoku”.

A Joh teve um sonho daqueles sonhos silent hill que ela tem.
No sonho, ela morava em uma casa gigante na Tijuca, que na casa tinha um cofre, que ficava no quarto da irmã dela. Era cofre de abrir com chave e havia, de fato, uma chave, só que tava quebrada, porque, quando ela tava na fechadura, acendia uma luz verde, que indicava que você era a coisa a certa a se fazer.
No entanto, o cofre não abria.

Quando ela falou cofre, eu lembrei do Menon.

O Menon estudou comigo no INDAC e vivia dizendo que eu tinha o temperamento do Touro Ferdinando, um desenho de Walt Disney em que um touro é levado pras touradas em Madrid, mas ele não quer lutar – só quer cheirar as flores.
Lembrar do sonho me fez procurar o desenho de novo no youtube pra assistir.
Então, esse é o Menon.

Ok, agora o seguinte: como diabos, quando a Joh falou de cofre, associei ao Menon?

Tisplico.
Quando o INDAC mudou da Franz Schubert pra Pompéia, os alunos ajudaram no que puderam. O Menon e eu fomos dois dos que se aventuraram a ir naquele dia de carpintaria em que o INDAC foi, finalmente, tomando sua primeira forma.
Eram duas casas e, numa delas, bem no alto e bem no fundo, tinha uma sala que – pensando bem – era muito parecida com o primeiro quarto onde eu morei depois de sair de casa.
A tal sala era relativamente pequena, tinha uma varanda enorme – que meu primeiro quarto também tinha, mas, também, tinha outras três coisas que meu quarto não tinha.
A saber: um armário embutido, carpete no chão e um cofre de parede.
O cofre e o armário ficaram lá por um tempo ainda, mas coube a mim e ao Menon tirar o carpete de lá.
Como fazer isso?
Surpresa.
A gente começou arrancando prego por prego, mas, depois de um tempo me deu no saco aquele trabalho de louco manso e eu arranquei o carpete todo, aos puxões, como se estivesse arrastando pela juba o leão da Neméia.
Não foi nenhum bicho de sete cabeças, como a Hidra de Lerna, e acabou sendo rápido como a corça de Cerínea.
Saímos sujos de pó como se limpássemos, com nossas roupas, o chão das cavalariças de Augias.
Com uma fome de javali do Erimanto, a gente cagou pros outros trabalhos todos e foi comer.
Fomos comer aqueles beirutes que pareciam pizza e, depois, durante o cigarro da digestão, ficamos falando que, caralho!, a gente tinha trampado tanto que aquela sala tinha que ter o nome da gente.
(Ingenuidade nossa. Na época, a gente ainda não sabia que as coisas não funcionavam assim. Veja só: tempos depois, eu tive sair da aula pra comprar cimento pro Maucir terminar o banheiro. Disse a ele que ia sim, desde que ele pintasse uma estrela de camarim com o meu nome na última portinha do banheiro multiplex que ele tinha inventado. Vê lá se tem a tal estrelinha? Mas eu fui lá comprar o cimento, não fui?)

Então, por isso que o cofre me fez lembrar do Menon.
Porque a sala do cofre era nossa.

Fim.

Não.

Que fim o quê.

Foi só pra explicar como o cofre levou ao Menon e como foi que, quando a Joh falou de cofre, eu lembrei, out of the blue, que tinha sonhado com o Menon.
No sonho, a gente se encontrava por acaso, do nada, no meio da rua e dizia que tinha visto que ele estava em cartaz com uma peça nova, que tinha até saído no jornal, bem comentada.
Daí ele disse que, se eu quisesse, era pra aparecer pra assistir, porque ele botava o nome na
lista e nem eu nem a Joh, iríamos pagar nada.

Ok.
Foi esse o sonho.

Velox me fodeu e a Calu ligou logo depois, dizendo que era pra eu ir pra casa dela porque ela queria me mostrar todas as 600 fotos que ela tirou em Maceió e Natal, na primeira viagem que ela fez, só ela e a filha, a bagunceira da Vitória.

Fui pra lá

Meu caminho sempre foi pela Caio Prado até o rabo da Augusta, pra depois virar a direita na Praça Roosevelt e, depois, à esquerda na Santo Antônio.
Fiz diferente.
Sei lá porque motivo no mundo, resolvi fazer outro caminho e fui pela Gravataí (oi, @gravz), que me leva direto da Caio Prado pra Praça Roosevelt.
Veja bem: não é exatamente um atalho.
É só mais um caminho.

Só que, nesse caminho tem um teatro.
Tem um teatro neste caminho.

E aconteceu que, quando passei em frente desse teatro, no mesmo exato momento, o Menon saiu de lá de dentro pra fumar um cigarro.
O Menon!
O MENON!
(porra)

Eu parei.

Olhei.

Pisquei os olhos.

Pisquei mais meia dúzia de vezes pra ter certeza de que aquilo estava acontecendo de verdade e o Menon pareceu ter tido a mesma idéia e piscava do mesmo jeito.
Paramos ali, acendi um cigarro também e contei pra ele sobre o sonho, sobre a conversa com a Joh e sobre como aquilo me parecia mágico.
Daí, ele me disse que eu não sabia da missa a metade.
Ele estava ali porque ia estrear uma peça em instantes e saiu só pra fumar um último cigarro antes de entrar em cena.
Tava nervoso pra caralho –“muito texto e pouco ensaio” – mas o Menon sempre fica nervoso pra caralho antes de qualquer estréia e, no fim, é sempre genial.
Como ator, bem eu sei o tanto de “bom presságio” que a gente procura pelo caminho antes de uma noite de estréia.
Aparecer na frente dele, do nada – e ainda dizendo que sonhei que ele tava fazendo uma peça, que tava sendo bem comentada na imprensa e tudo mais – é meio aquilo que todo ator espera pra confirmar a surpresa de que é feita a profissão.
Ele ainda disse: “cara, se eu paro pra tomar um café lá dentro, a gente nunca ia ter se encontrado”.
Mesma coisa eu.
Se eu não tivesse feito aquele “outro caminho”.
Se o Velox não tivesse me fodido.
Se a Calu não tivesse me ligado.
Se eu tivesse passado na padaria pra comprar cigarro.
Se as coisas não tivesse sido como foram, a gente não estaria ali.

Cada floco de neve cai justamente onde deveria cair.

Da porta do teatro, berrei pra ele um “MERDA” tão alto que ribombou lá pra dentro.
Menon entrou pra estréia enquanto eu continuava indo pra casa da Calu.

Cheguei no prédio dela, dei meu nome na portaria e fui subir, imaginando o quanto da vida da gente não é um cafezinho que a gente deixou de tomar.

Elevador chegou e, quando pisei nele pra ir pro segundo andar, ele afundou como se eu tivesse o peso de um touro Ferdinando, cheirando o perfume de todas essas flores que a Joh faz florir no caminho que existe entre eu e eu mesmo.
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1 comentários:

Unknown disse...

SIM! O primeiro comentário teria que ser o meu! Faz todo sentido que seja o meu! De quem mais haveria de ser, senão o meu? O comentário é esse, nada vem depois...