8.3.09

two little indians






Quando eu era pequeno, meu avô contava uma história de um índio e uma índia, que sempre achei que deveria ser botada no papel. Ainda mais hoje em dia.
Essa história parece fazer até mais sentido hoje do que na época que ele me contou – que deve ter sido na época que minha irmã nasceu.

Eram dois índios – um índio e uma índia – que viviam em aldeias diferentes. Todas as noites, eles ficavam olhando as estrelas, cada um no seu canto. Passavam a noite toda lá, olhando estrelas – nunca juntos – porque havia um lago separando um do outro.
Nunca se encontravam, mas, quando isso acontecia, os dois ficavam horas falando a respeito das estrelas do céu.

Houve um dia, numa espécie de expedição diplomática que uma aldeia empreendeu à outra, o índio e a índia conseguiram se encontrar e, nesse dia, com o tempo ao lado deles, os dois conversaram tanto e de tal maneira que foram lembrando noite após e contaram as estrelas de todas suas vidas de trás pra frente e, nessa regressão, voltaram até seus nascimentos – primeiro o dela e, depois, o dele.

Estrela por estrela, cada um trouxe o outro para dentro de sua vida.

Meu avô fazia um preâmbulo em que ele explicava que a índia vinha da terra das montanhas de pedra e que o índio tinha antepassados lá, mas eles se mudaram antes que ele nascesse e, agora, sua aldeia era outra, e, em sua aldeia, os índios fabricavam suas próprias montanhas – e ele não via graça alguma nisso.

Dizia a lenda do meu avô que os dois se perceberam par assim que se encontraram e imediatamente se apaixonaram.
Porque era natural que fosse assim e eles eram índios e, para os índios, o mundo é para se olhar e estar de acordo.

Conta a história também que houve um dia em que as duas aldeias se opuseram em guerra e que, nesses tempos de guerra, os dois propunham-se voluntários para fazer a ronda em suas canoas e, assim, encontravam-se em uma ilha para conversar sobre as estrelas que haviam visto e apontavam com seus narizes para as estrelas cadentes e faziam ambos o mesmo pedido, que nunca mudava.
O mundo deles estava em guerra, mas havia paz naquele mundo de estrelas infinitas que os dois compartilhavam.
Houve vezes que os dois juravam ter visto uma flor cada um – flores da mesma cor – desabrochar na mesma manhã.
Ao mesmo tempo, a guerra foi ficando cada vez pior.
Foi ficando cada vez mais difícil e perigoso que os dois se encontrassem.
A saudade fez com que ficassem inconsoláveis e ambos começaram a usar túnicas negras, como se velassem vítimas da guerra.
O nível de água no lago subia noite após noite a ponto do pai da índia dizer a ela que era por causa das lágrimas dela.
“Lágrima o caralho, isso é sangue!”, gritava ela com sangue nos olhos.

Houve um dia, porém, em que o sangue secou todo, ao menos no corpo dela.

Ela acordou e soube que a aldeia de seu-bem amado havia sido atacada durante a noite e que aquela batalha acabara com a guerra e que sua aldeia tinha vencido.
Muitos haviam sido feridos, muitos mais haviam morrido e alguns haviam sido feito prisioneiros.
Ninguém havia escapado.
Ninguém.

Sua vontade era correr o campo de cadáveres até encontrar o lugar apropriado para morrer de amor, mas seu corpo cansado desmoronara.

Chorou durante toda a alvorada e estendeu seu pranto manhã adentro, praguejou durante toda a tarde e, ao fim dela, foi convocada para uma reunião na praça central da aldeia.

Lá, ela soube que sua aldeia acolheu fugitivos da aldeia arrasada e que muitos dos moradores estavam sendo designados a acolher refugiados em suas ocas.

Foi quando ela reconheceu o rosto do refugiado que lhe havia sido designado que seu coração morto viveu outra vez.

Ele, justo ELE!
Estava vivo, estava bem e, embora seu rosto se esforçasse em uma exibição pública de contrariedade, seus olhos lhe sorriam num segredo só deles.

Na primeira noite que passaram juntos, viram o dia clarear, lado a lado. Ela com a cabeça apoiada e acomodada no braço dele, ambos deitados no telhado da cabana, olhando as estrelas com as mãos enlaçadas sobre o peito dele.

No primeiro dia que passaram juntos, conversaram infinitamente sobre as estrelas que viram na noite anterior. Conversaram tanto que as estrelas voltaram e eles voltaram pra cabana e na segunda noite ninguém conversou.

No dia seguinte a esta noite, os dois dormiram o sono dos justos, entrelaçados, enquanto o povo da aldeia falava sobre as estrelas.

Falavam sobre duas estrelas, em particular, que brilhavam em plena luz do dia, conversando sem parar num língua inventada.

Duas estrelas que, apesar de tocarem o chão com as plantas de seus pés, pareciam um só buraco no véu terrestre através do qual se vislumbrava todo o firmamento infinito afora.
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2 comentários:

Joice Viana disse...

Eu lavava a boca dessa índia aí com sabão. Onde já se viu falar palavrão ¬¬'
Tsc

Calu Baroncelli disse...

seu avô devia ser uma pessoa incrível :)