29.1.09

Pedido de desculpas ao homem genérico



(crédito da foto: Samuel de Almeida Prado @ skateonrails)

Cara, me perdoa pelo seguinte: logo que fiquei sabendo o que rolou, me bateu um remorso porque eu fui no campus party na quinta e vi a coelhinha que você zoou.
Vi você também e não meti a mão na sua cara, assim, com os cinco dedos fechados, como me deu vontade de fazer na hora que vi o resultado da sua brincadeirinha.
Me perdoa por não ter feito isso.
Você ainda não merecia.
Você só foi merecer no dia seguinte.
Se eu tivesse feito isso, teria sido melhor pra você.
Porque ainda acho pior o que te aconteceu.
E acho mais ainda: acho justo.
Li o texto que o Alessandro escreveu aqui e, pra mim, ele explicou o inexplicável de fato. Por mim, o que poderia ser dito para Ana Lúcia Fernandes – a coelhinha tem nome, sabia? – ele disse e disse bem.
Meu negócio é com você.
Você viu no texto dele que ele te chamou de “homem-genérico”, não viu?
Então.
Deixa eu te explicar o que aconteceu com um homem genérico, um tempo atrás, pra você entender.
Tinha um amigo nosso, o Rafael, que levou a namorada dele numa festa na casa de um outro amigo nosso, o Hospício.
Não sei por que motivo, no meio da noite, o casal brigou.
Não sei o que ela disse pra ele, mas o Rafael virou a mão na boca dela, com força.
E fez barulho.
Esse barulho nojento ainda estava no ar e o Torna, que era o que estava mais perto, já zunia a pesada mão dele.
A mão do Torna acertou a boca do Rafael com os mesmos cinco dedos fechados que eu quis te acertar você. O Rafael caiu por cima de uma cadeira e nem entendeu o que rolou – ele caiu com os olhos estalados com uma expressão de “quiquieufiz?” estampada no rosto.
Ele olhou pra gente como quem pedia ajuda.
Ajuda?
Funciona do mesmo jeito que funciona com cachorro, meu velho. Se ele caga na sala, você não pode esboçar o mínimo sorriso, senão ele vai achar bonito e vai cagar no teu travesseiro.
Todo mundo ali tinha crescido junto e cada um de nós tinha irmã, mãe e namorada. Um namorou a irmã do outro e a gente aprendeu, uns por bem e outros por mal, que existe brincadeira, que leva a uma coisa, e que existe desrespeito, que leva a outras coisas. E a diferença entre o seu desejo e a permissão que ele exige, que o Alessandro tão bem explicou.
Quando ele olhou em volta, viu que ninguém ali tava sorrindo.
E olha que o tombo dele tinha sido engraçado pra caralho, porque, justo na hora que ele tinha certeza que se equilibrara na cadeira, a cadeira derrapou e ele caiu no mesmo vão onde a gente jogava toda a cerveja que sobrava nas latinhas.
Mijado, ele estaria melhor.
Na hora, sem precisar dizer nenhuma palavra, as meninas levaram a namorada dele pra um outro canto e a gente, gentilmente (mesmo), pediu pra que ele entrasse no carro dele e sumisse do mapa.
Por isso que te digo, de coração: toma cuidado.
Toma cuidado porque tem um monte de cara por aí, que cansou de ser tratado como homem-genérico e que, se pega você beliscando o que quer que seja, quebra seu braço em três lugares diferentes, só entre o cotovelo e o pulso.
Eu, por exemplo, tô cansado de ser tratado como “homem-genérico”, sabe?
É por causa de pessoas como você que eu não posso me aproximar de mulher alguma sem que ela espere de mim alguma barbaridade típica de pessoas como você.
E uma cagada sua reverbera em três gerações pelo menos. Porque ela vai contar o que você fez pras filhas e dizer “cuidado” no final.
E as filhas dela vão lembrar disso e, quando tiverem filhas, vão dizer a mesma coisa, com o mesmo “cuidado” no final.
E eu nunca vou poder morar com a minha mulher e filhas que nem tenho num lugar que eu gosto – como, por exemplo, no centro de São Paulo – por causa de gente como você.
E o pior, cara: você fez isso pra ganhar cincão dos amiguinhos punheteiros.
Naquela noite em que o Rafael bateu na namorada, eu quis poder fazer como a floresta faz com o índio.
Sabe como a floresta faz com o índio?
Olha só.
O índio tem um jeito de viver no mundo que é legal prestar atenção quando não se está a fim de ser um “homem-genérico” pro resto da vida.
O índio acha que ele tem que ser gentil com a floresta.
Ele acha que ele não pode pegar mais do que precisa, que não deve matar uma mosca que seja – a não ser que ele pretenda comer - e não deve tirar uma pedra sequer do lugar.
Porque ele acha que, se fizer isso, a floresta vai chorar uma lágrima verde e essa lágrima verde tem um perfume amargo que só a floresta é capaz de sentir.
E quando a floresta sente esse perfume, ela se magoa.
Sabe o que acontece quando a floresta se magoa?
Ela se encolhe.
A caça foge lá pro meio, onde é muito difícil de chegar.
Aí, antes que o índio fique faminto, fica faminta a onça.
Então, de caçador, o índio vira caça.
E... veja só que coincidência: é mais ou menos o que tá acontecendo com você, não?
Por isso, eu estou aqui.
Passando adiante a lágrima verde que a Ana Lúcia Fernandes chorou.
E o mundo futuro, meu amigo, talvez nós o criemos.
Porém, é certeza que o herdaremos.
E o “de quem” é que vem sendo o problema.
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27 comentários:

Lucia Freitas disse...

Salve, salve, lindo Tucori. É isso aí, a floresta encolheu. E a gente, como comunidade é quem decide quem deixa herança neste planeta e em nossa roda.
Que os homens te escutem e deixem de ser genéricos.
Inshalá.

Unknown disse...

AHASOU, Tucori! Apoiado!

Anônimo disse...

Eu acho que a coisa vai ficar encolhida durante um bom tempo para o genérico :-)

Abraços, meu caro... gostei do texto.

Anônimo disse...

Aew Tucori.
Cara, gostei muito do seu texto.
Mas você poderia ter colocado os créditos da foto, né? (que por sinal, é o que "manda" a licensa da foto, certo?)

Mais uma vez, parabéns pelo texto e que os homens aprendam que mulher têm de ser bem tratada, não importa onde estejam e como estejam vestidas.

Fernando Tucori disse...

valeu, samuel!
tá corrigido e acertado. peguei a foto numa matéria da abril e só agora fui ver que o crédito tava no meio do texto.
agora tá lá, como manda o figurino.

e follow nocê!
hehehehehe!

Juju disse...

Cara, é muito bom ler coisas assim sabe? dá uma ponta de esperança, de que os genéricos estão sumindo, e caras como voce, e como o Alessandro estão tomando o lugar! parabéns pelo lindo texto e parabéns pela postura, homem com H maiusculo é isso aí!

Beijão!

Anônimo disse...

Puta merda velho. Nunca vi um texto tão foda assim, você explicou maravilhosamente bem a situação.

Penso como você, e ainda bem que o mundo tem homens que pensam assim.

Parabéns.

Anônimo disse...

Parabéns o senhor mandou muito bem :) eu também fiz uma pericia sobre o caso aqui JABÁ 2.0 Reloaded ( http://www.suspensa.info/post/lewis-iceman-de-assis-pereira ) um tanto quanto polêmica mas fiz.

Moka disse...

Sem mais palavras...
Mas eu ainda acho que ele merecia uma porrada naquela hora

Anônimo disse...

Parabéns pelo texto. Compartilho com a sua opinião, o babaca punheteiro, que acha que mulher é objeto de aposta e que apertar a bunda de uma moça vestidade de coelinha da playboy, merecia uma bela surra. Acho que o cidadão esqueceu que tem mãe, e pode um dia a ter filhas.
Ótimo texto, e torcemos para que idiotas como esse, sejam minoria no mundo.

Anônimo disse...

Creio eu que o Sr. "Iceman", jamais poderia ser um homem-genérico pelo pressuposto que nem homem ele é.
Aquilo foi o mais próximo que ele chegou de tocar o ser mítico chamado mulher. Chamá-lo de babaca, infantil, ou qualquer outro adjetivo bem ofensivo seria gentileza com um anormal como esse.

Excelente texto, acho que você conseguiu extrair o que todos nós, que temos irmãs, mães, namoradas, pensamos sobre esse imbecil.

Abraços.

Anônimo disse...

Parabens, conteudo rico.. eu amei o texto e a sua opniao sobre isso, é incrivel como tem tantos homens genéricos e nao sabem o valor de uma mulher, mas fico feliz de saber que homens de verdade como vc existem =D Parabens!

Mel disse...

Oi!
Nossa como é bom saber que ainda existem homens que respeitam e valorizam a mulher!

Infelizmente o que mais existe hoje em dia sao estes genéricos, que não merecem levar o "homem" na frente do Generico.

Parabens pelo texto, e por mostrar para nos mulheres, que nem tudo está perdido!

=D

Paula, a Abiúda disse...

Poxa..O seu texto e o do ale me fizeram chorar.. Mas de alegria.

Existem homens pra finalmente entender de verdade as mulheres e finalmente tratar-nos com o respeito que merecemos. E isso não é fazer um favor. É fazer o que é certo.

Fico feliz que o mundo tenha começado a mudar... É muito provável que minhas filhas e netas ainda precisem ter medo de homens-genéricos... Rezo pra que minhas bisnetas não precisem mais...

Obrigada por ser assim e tentar fazer com que os outros entendam.

Cliff Oliveira disse...

Concordo,
e respeito o texto e a sua opinião
ainda bem que tem mais de um ou dois homens na essencia da palavra e não machos, pois macho todo animal bruto pode ser

Anônimo disse...

Texto perfeito, cara, eu também estou cansado de ser o "homem genérico".

Anônimo disse...

POEEEESIIIIAAA

Mary disse...

Freaky Friday,

Dois homens pedindo desculpas pela atitude indigna de um "irmão" com uma moça. No mesmo dia. Ganhei a sexta.

Juntamente com o Alessandro os pedidos de desculpas de vocês me tocaram e hoje me fazem acreditar que ainda existe homem decente e que ao menos se esforça em aceitar que mulher não é uma coisa, um objeto.

Gostaria de parabenizá-lo pelo ótimo texto (e ótimo português por sinal, raridade por aqui) e espero sinceramente que este chegue à moça e ao infeliz, para que ele repense sua atitude ridícula e peça desculpas, ainda que indesculpável sua atitude.

Infelizmente não existe na face da terra uma mulher que não tenha apssado por isso. Bonita, feia, madura, idosa, jovem. Adolescente.

Tomara que outros se conscientizem.

Rafael Diresta Argemiro disse...

Caraca velho, que texto FODA! Fiquei pasmo agora, meus parabéns... Aliás, é triste dizer meus parabéns pois foi graças a um (ou melhor, dois) acontecimento(s) triste(s) que você teve toda essa informação e motivação para escrever. Eu tive o prazer de conhecer e conversar com a bela moça que está na foto com tão indignador semblante devido a um infeliz idiota que se achou no direito de fazer o que fez, por míseros 5 reais... Se fossem 50, ou 500, de qualquer forma não se justificariam! Mas realmente os 5 reais são apenas mais uma "arma" para tirar sarro de um cara que se acha "macho" e como você disse, queima o NOSSO filme com as mulheres. Eu tirei duas fotos com elas, as tratei com ENORME respeito apesar de toda a admiração e fantasia que possa ter passado pela minha cabeça, em primeiro lugar veio o senso de que: primeiro, elas estavam trabalhando; segundo, elas são seres humanos dignos de respeito; terceiro: são mulheres, o que pra mim significa que merecem AINDA MAIS respeito! Voltando ao exemplo da Ana, ela é linda, MUITO simpática e educada, não merece ser apedrejada como culpada pelo ocorrido como constatei nos comments da foto original postada no Flickr por uma dançarina de dança-do-ventre que acha que merece mais respeito que a coelhinha que tem um lindo corpo, um lindo rosto, um lindo sorriso e que é paga para desfilar com roupas de fantasias eróticas assim como as de dança-do-ventre... Sim, eu também sinto enorme erotismo por dançarinas do gênero, assim como 99% dos homens com certeza! Então um dia, se eu ver essa dançarina se apresentando, vou sentir muita vontade de fazer o mesmo com ela só por questão de vingança pela Aninha, mas meu bom senso não vai me permitir AINDA ASSIM!

Desculpem o desabafo todo mas não tem como ficar em silêncio diante de um fato desses e estou apenas desabafando por aqui, não escrevi em mais nenhum lugar. Apenas por ter conversado com a Ana tanto pessoalmente quanto pela internet após o ocorrido, sei que ela nem de longe merece ter infelizes como ele em algum evento onde ela possa estar presente.

Abraços,
Rafael Diresta Argemiro (eu não tenho medo de dar a cara pra bater como pessoas que escrevem anonimamente pela internet ofendendo os outros.)

Anônimo disse...

Impressionante o seu texto, cara. Faço minhas suas bem colocadas e oportunas palavras.

De um também-cansado-de-ser-homem-genérico,
Damm

• the potions' mistress disse...

Pain In My Heart
do Otis.
E um viva pro homem genérico,
por favor, sem os idiotas
não teríamos Tucori.
huashuashuashuahsuas
Só por hoje não vou me aprofundar em Ana Lúcia e tema, porque ando meio homossexual tendenciosa.
Beijos

Fernando Tucori disse...

gente...
desculpa minha ausência de resposta diante a tantos comentários, mas foi justamente isso que me pegou - os "tantos comentários".
estou acostumado a ter dois ou três visitantes no blog e, agora, veijo um monte de gente lendo um texto meu. fiquei, ao mesmo tempo, orgulhoso e encabulado e morrendo de medo de dizer qualquer coisa que traísse o orgulho que me deu ser elogiado por pessoas que admiro e também por pessoas que - direta ou indiretamente - inspiraram o texto acima.
Sim, eu me emociono com 21 comentários. Porque 21 gramas é o que pesa uma alma e, de qualquer modo, foi minha alma que pus nele.
por isso, um simples "obrigado" soa vazio.
Mesmo assim, agradeço com todos os 21 gramas de minha alma.

Eric disse...

Cara, excelente texto. Fico feliz de saber que não sou o último da espécie que não acha "normal" fazer zoação faltando com respeito com os outros. Recentemente passei por um caso assim. É triste ver como as pessoas agem com essas coisas. Fico inconformado de saber como algumas pessoas faltam com o respeito dessa forma.

Anônimo disse...

Pois é cara, parece pratica comum do ser humano nivelar tudo por baixo e esse "cidadão" só conseguiu reforçar o estereótipo atual do "homem genérico".

Parabéns pelo texto, quase não publico o meu depois desse.

Anônimo disse...

Cara, tenho uma filha de 4 anos e me preocupo muito com o futuro dela. Todas as noites peço a Deus que a abençoe e coloque em seu caminho um homem de bem. Textos como esse aumentam minha esperança. É bom saber que nós, homens de bem, somos poucos, mas não estamos sós.
Um muito obrigado de um pai.

Rebecca Agra disse...

UAU!!
Texto espetacular!!
Parabéns!!

XD

Sons do Vodu disse...

Além de ter achado o texto muito foda, notei que muita gente aqui não conhecia o Fernando Tucori e se surpreendeu com seu texto.

O fato é que o cara é simplesmente o melhor. Outro nível...

Ele me falou do blog no fim do ano passado e era tudo que eu queria saber. Passem sempre por aqui.

Falou Tucori,
Abs
Pana