29.6.07

UMA TEMPORADA NO INFERNO - CAPÍTULO III - OS CARA DE SALVADOR É BOM!

Fazer reportagem na base do gravadorzinho de fita cassete tem certos prazeres que nenhuma outra coisa substitui. Conforme a noite vai passando, a brincadeira vai ficando cada vez mais engraçada. A coisa já não começou muito boa. A fita que eu comprei era uma imitação bem safada de uma TDK clássica, da marca Yuehai, que, em dialeto-promocenter, deve dizer "você se fodeu". Caixinha amarela bico de marica. Feia. Amei.
O Emmanuel me liga e diz que vai junto.
É pra eu passar lá em cima, no boteco de esquina em frente o Vitrine e encontrar com ele e o Luiz, que é o dono do estúdio Harmony, onde a gente costuma ensaiar.
Noite de 28 de abril.
A promessa de início de inverno se manteve.

Noite de Zefirina Bomba e Honkers, no Inferno.

Zefirina Bomba, uma banda que eu fiquei conhecendo porque procurei músicas com "TPM" no título pra entender melhor a mulher. Achei "TPM" deles. Dezembro de 2003.
Honkers, banda de rock baiana, de Rodrigo "Sputter", amigo de msn há faz uma cara. Há pelo menos um ano tentando fazer uma entrevista. Toda vez dá merda. Na primeira que fizemos, minha placa mãe queimou enquanto a gente conversava. Na segunda, aconteceu a mesma coisa, só que dias depois. Entrevista memorável aquela, em que a gente ficou trocando idéia num meio de madrugada. Pena que ela ficou presa no HD morto do meu computador velho. Nela, o Rodrigo falava dos vários projetos em que ele estava metido na época e a edição da nossa conversa estava ficando do caralho quando tudo apagou. Escritor, poeta, não bebe, não fuma, não cheira, não fede, mas, quando vai pra cima do palco, vira um animal incontrolável. O que eu sabia dos Honkers vinha de vídeos na internet, de mp3 e de Goreti Maia, amiga colunista de Campos, que me mandou prestar atenção neles.
As duas bandas lançavam CDs.
O Zefirina lançava o seu pela Trama Virtual e os Honkers lançavam seu "Roll Up Your Sleeves And Help Us Rock Up This Honker World", pela Atalho Discos.
Saí atrasado de casa e o Emmanuel ligou justamente quando eu ia deixando minhas pegadas num cimento fresco na Caio Prado. "Vai se foder e vem pra cá. Não vou subir até aí nem fodendo" e continuei andando no cimento. Era uma garagem. Fui até o meio, escrevi com o dedo "EU SEI VOAR!!" e voltei, bonitinho, sobre meus próprios passos.
Com as botas sujas de cimento, o Manel e eu íamos pra quarta cerveja no boteco em frente.
O Horácio tava com a gente.
Aí, quando a gente foi entrar e o Horácio foi barrado na porta.
Esvaziaram toda a cabeça dele e deixaram ele entrar, desde que continuasse comigo.
Eu topava qualquer coisa, queria só entrar.
O Zeferina Bomba já tava bombando no palco, tocando um cover de "Meteoro" dos Irmãos Rocha! e eu tinha que estar lá. Eu esperava qualquer cover, menos essa. Uma banda que saca do rock-regressivo dos Irmãos Rocha! não pode estar errada. A música termina no refrão: "eu tenho um meteoro e é só", ao que o Guga, o batera, mandou um "Tá! E daí?", os amplificadores zuniram e o vocal emendou "eu nunca vou parar de beber".
É um show do caralho.
A guitarra do Ilsom é um primor.
Não fosse as maravilhas proporcionadas pelo silver-tape, ela estaria dividida em pelo menos três pedaços.
E o Ilsom adora falar.
"O rock é muito machista. Que se foda o machismo. Que se foda o feminismo. O melhor é a gente se divertir e as diferenças estão aí pra gente conviver, meu irmão. Essa música é dedica ao que as mulheres proporcionam pra gente, tá entendendo? Enquanto a mulher estiver feliz, a gente vai estar mais feliz ainda. Então, velho, aproveita isso. Acho que esse é o lance", diz ele. Eu também acho que esse é que o lance", diz ele.
Ele pergunta se a guitarra tá alta e, por mais que eu tente, não consigo dizer a ele que a guitarra está é baixa. Ele pede pra abaixar o volume da caixa da bateria. "Mas é porque o cara bate forte, pô!", brinca.
"Essa música se chama 'O que ela tem?'. O nome já diz tudo, cê tá entendendo?".
Aí eu chego pra menina do lado e digo "essa música se chama 'o que ela tem'. Se eu fosse fazer uma música chamada 'o que ela tem?' sobre você ela ia ter, pelo menos quinze minutos".
A menina do lado é a Rose.
Ela sorri e cora.
Só na minha imaginação.
É o Horácio.
Deixo na fita minha sugestão pra título do capítulo. "Esses cara é bom", por causa da música do Zefirina Bomba, imitando o Emílio. A música é boa pra caralho. O som deles é bom. Uma banda à altura da expectativa que proporciona a reputação que lhe precede. Estão lançando CD novo pela TramaVirtual, dizem que tem uma banca vendendo o CD por dez conto ali dentro mesmo e que "adesivo não! Adesivo é de graça!" .
Terminam com uma versão de quebrar tudo: "Astronomy Domineé" do Floyd fase Syd Barrett. Versos improvisados, zunidos de guitarra, sons do espaço sideral e o vocal acaba por escalar toda a estrutura do palco, vai parar lá na puta que pariu.
Lembro do tamanho da merda que eu fiz em só ter trazido o celular pra tirar fotos.
Ele tá pendurado na alça de luz do palco e tentando ficar de ponta cabeça na parada.
Não tem o que dizer.
É disso que o mundo precisa, meu velho: uma barulheira que é quase batucada de macumba.
Eles não entraram pra nocautear.
Eles foram minando aos poucos.
Agora, com essa porralhada que rolou em cima do palco, as luzes estão todas acesas e tá todo mundo na frente da ribalta com os olhos vidrados no que acontece. Se a viga de luz (toc-toc-toc-deus-me-livre) cai, ia cair em cima de uma caralhada de gente, mas não teve um – nem eu – que arredou o pé dali.
E o show acaba no arregaço.
Você percebe como foi que aquela guitarra cheia de silver-tape ficou do jeito que ficou.
Cicatrizes de batalha.
A banda sai, mas a microfonia permanece.
O Honkers sobe ao palco com uma bandeira da Bahia grudada no fundo.
Pequena, como um daqueles quadros de "lar doce lar".
O Rodrigo vem pro palco com uma camiseta do Corinthians da era Kalunga, com uma estrela só, da época de Neto na camisa 10.
Você pode achar que é sacanagem, mas o Ilsom, vocal do Zeferina Bomba, aquela com a guitarra cheia de silver-tape, emprestou um naco de silver-tape pro Rodrigo, pra ele segurar o fio do microfone que tava dando problema.
É o silver-tape, salvando a noite, mais uma vez.
Ah, claro.
A bandeira da Bahia no fundo do palco, é grudada com o quê?
Silver-tape.
E eu começo a respeitar cada vez mais as bandas que fazem alongamento antes de começar o show.
O Manel sumiu.
Me pediu uma camisinha, eu não tinha e ele sumiu.
Acho que outra pessoa tinha.
Alguém diz pra mim que eu sou cover do Rodrigo. "Deve ser essa parada na cabeça". Os dois com boina e barba.
O Ilsom vai até o microfone e diz: "Cês tão achando que já viram tudo? Cês não viram nada". Ele começa a contar a história do Rodrigo que foi com essa mesma camisa do Corinthians no pocket-show que eles fizeram no shopping Presidente, que é do lado da sede da torcida Independente. Um chato grita "Cala a boca!" e o cara responde "Daqui a pouco eu calo a boca, seu chato. Eu tenho o microfone e falo mais alto", e todo mundo dá risada do chato. "Quando a gente chegou lá, o doido do Rodrigo tava com a camisa do Corinthians, tá entendendo? Daí, velho, dá pra imaginar o que aconteceu", conta. "Nós até quisemos dar o cara pra eles bater", diz o baixista do Honkers, uma espécie de Vagner Love de Itu. E ele continua: "Na boa, rock'n'roll não tem nada a ver com futebol. Futebol que se foda. Se vocês quiserem se matar, se matem, briguem, se destruam". Ele respira. "Sem frescura... Honkers!".
O show começa com "People Love Hate" e o Rodrigo pula pra caralho.
Joga cerveja pra cima e é uma debandada de princesinha da frente do palco.
Ele joga cerveja nele mesmo, joga o corpo pra trás e estilhaça a garrafa no chão.
Do trio de princesinhas na frente do palco, fica só uma, corajosa, chamando as outras e dizendo "vem, não tem perigo".
Pra provar que tem, o Rodrigo quase cai do palco. Aí, ele rola por cima dos cacos da garrafa que ele mesmo quebrou, desce do palco e é coisa pra se prestar atenção.
Na segunda música, eles já estavam estourando o V.U. e eu me perguntava o que viria depois. Porque me preocupa quando uma banda começa um show assim.
Eu sei porque MINHA banda faz isso. Senta a mão nas primeiras músicas e, depois, não tem como manter a pegada. Mas a gente não faz alongamento antes de tocar e bebe o tempo todo.
Uma média de uma garrafa de Dreher por ensaio.
Aí, logo depois, vem a resposta, quando eles tiram o pé e emendam "Stir It Up" como prenúncio de "Pretty Punk Girl", um ska muito bem levado e fazem uma dancinha engraçada pra caralho.
O Rodrigo mete o microfone na bunda e acha um casaquinho de pele na beira do palco. Veste. Parece que o bagulho vai rasgar nas costas. Ele tira.
Desce do palco.
Vai até o balcão do bar e canta de lá de cima, apontando uma das luminárias pro rosto.
Ele entra no bar.
Abre a geladeira.
A quantidade de gente tirando foto é assustadora.
Ele pula do balcão, cai de costas no chão e continua rolando. Fica cantando de frente pra banda, na frente do palco.
Abre uma roda em volta dele.
"This Is An Old World". Tem um baixinho na platéia que fica o tempo todo gritando "Salvador, porra!".
Me chama a atenção a figura de um sujeito, que deve ser lá os seus 60 anos, que vai andando bem devagar entre as pessoas, parece um velho lagarto, ele vai pra frente do palco, levanta a mão como se fosse pedir alguma coisa, bate com a mão na cabeça de alguém, se assusta e quase cai pra trás.
As duas meninas que abandonaram a amiga na frente do palco foram embora. Disseram pra mim que "é sempre a mesma coisa" e fecharam a conta. Perguntei pra que ficou porque é que ela ficou e ela respondeu "porque eu gosto disso".
Começam a tocar uma musiquinha da Xuxa e param.
Depois, soltam o riff de "Black And White", do Michael Jackson.
A guitarra dois pifa.
"Ô, Ilsom! Arruma uma guitarra pra mim. Uma guitarra. Eu não quero tocar com aquele seu violão não!". O Ilsom arruma.
Minha preferida dos Honkers vem logo depois: "Let Me Be Your Honeypie".
Já dava pra dormir tranqüilo.
É preciso dizer, embora não pareça, que o Rodrigo estava doente. Passou mal antes do show, está com febre, gripado, mas mesmo assim, se acaba no palco.
Coincidentemente, quando eles tocam "You Make Me Sick", o Rodrigo parece um cara à beira da exaustão, movido por uma força que você não sabe de onde vem.
O legal do Honkers é que eles começam o show fechando o tempo no hardcore, caem pro rock'n'roll de garagem e, de quando em quando, vão pra uma viagem mais bubblegum.
Pro final, o Rodrigo deixa uma energia fodida e acaba o show destruindo as próprias roupas, pelado, exausto, com os pés cheios de cacos de vidro e ainda tem a moral de dizer "aí, galera, desculpa por esse show de merda".
Show de merda?
Vê como foi e diz você mesmo o que você achou.

Pra mim, foi do caralho.
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3 comentários:

QuiSeRaeu disse...

Os Honkers são demais!! Demais para o que qualquer um pode achar que seja um show de rock louco.
Que venham mais Honkers e Zefirinas Bombas pelo Brasil e vamos acabar com o rock careta.

Priscila de Andrade disse...

O meu blog é igual.
Só que o conteúdo, o seu ganha.
Tenho medo de escrever mto.
by
acordada.

Anônimo disse...

não gosto da banda e nem me dou com o vocalista... detestei a matéria...