11.5.07

CAPÍTULO DOIS – O CLUBE DOS CAFAJESTES











Se você se lembrar da noite de 27 de abril de 2007 por algum motivo, eu me lembro por este. Era sexta com Soulstripper e Rock Rocket no Inferno – a Cafajestour 2007.
Rock Rocket era uma banda que eu queria ver ao vivo desde que ouvi "Por Um Rock'N'Roll Mais Alcoólatra e Inconseqüente", que, só pelo nome, já mereceu ter sido incluída numa rádio que a gente botou no ar no Rockwave, que se chamava "50 Bandas Para os Próximos 50 Anos de Rock".
Já sobre o Soulstripper, eu não fazia idéia do que esperar.
Também lembro que choveu um absurdo na sexta e já tinha chovido na quinta, então, dava pra arriscar dizer que, ali, acabava de vez o verão e começava o inverno. Porque esse negócio de quatro estações é coisa de planeta que não sofre com aquecimento global, parará e tal.
O frio e a garoa, que já fizeram à fama de São Paulo, estavam de volta. Era uma questão de tempo até que as pessoas aceitassem o fato e passassem a carregar seus discos do Portishead dentro de seus iPods. Por essa, de não ter nada do Portishead no meu iPobre, e por outras, como não ter saco de ficar tecendo elucubrações a respeito da porta de entrada do Inferno debaixo da garoa, meu negócio era entrar logo e parar de me molhar.
Aí, na porta, um flash-back.
MAREU!
Esse é o nome da hostess que eu jamais deveria esquecer. Lembrei de todos os trocadilhos idiotas que eu fiz da última vez – todos eles com a boa intenção de lembrar o nome dela depois – que era uma coisa que girava em torno de um jeito correto de dizer "o que fazer pra Mareu amar eu?". Quando eu saquei que, durante toda a vida, a menina devia ter ouvido todas essas baboseiras e muitas outras que eu não pude imaginar, já estava em frente ao palco.
No caminho de ida, me chamou a atenção ter passado por um trevo de quatro folhas.
Trevo de quatro folhas dá sorte, eu sei, mas esse era daquele tipo em que quatro cabeças formam as pétalas do trevo e as bocas e línguas se encontram todas lá no meio, na encruzilhada. Achei que as quatro pétalas eram quatro meninas, pensei "uau, quero uma vaga com vista pro trevo!", mas não. A menina loirinha, de casaco marrom, era um menino loirinho.
Fico sentado na caixa de som do lado do palco e um funcionário da casa pergunta pela quinta vez pro cara em cima do palco à que horas ele pretendia começar o show. "Essa, mais uma e a gente entra", o cara disse. Era a primeira coisa que eu sabia sobre o Soulstripper, que eles iam começar a tocar não nessa, mas depois da próxima música. Não sabia que o cara no palco era o Bruno, o vocalista, que o Chico já estava na bateria e que o menino loiro, aquele da jaqueta marrom, era o Luka, guitarrista do Soulstripper. Luka sobe ao palco e, enquanto vai ajeitando sua guitarra, brinca de fazer coreografia pra versão de "Don't Stop Believing", do Journey, que a Tang põe pra tocar. Em "Total Eclipse Of The Heart", o Bruno, já com uma guitarra pendurada ao pescoço, entra na brincadeira. O loirinho tira a jaqueta, tira a camiseta, provando pra mim que era mesmo um menino e a música acaba.
São duas guitarras e a batera e vai começar.
"Nós somos os caipiras do Soulstripper".
Eles falam isso porque são de Piracicaba e devem ter cansado de ouvir banda de merda tocando cover de merda na rua do Porto.
Justamente por isso, o que vem depois é um puta show de rock'n'roll com o pé lá em cima, no alto da porta..
Olha: não é todo show de rock'n'roll que tem a moral de começar com "Ciranda Cirandinha" e o show do Soulstripper tem.
E não é só isso que eles têm. A banda tem uma pegada notável, uma confiança que só tem quem sabe bem o que faz (e/ou curte PRA CARALHO o que faz) e faz um show impecável. Bruno, que também faz guitarra base, faz uma coisa que parece tão impossível de tão simples – ele é original. Daqueles que brincam no palco como os Beatles brincavam.
Já o Luka, o tal menino loiro da guitarra, arrancou tanta faísca do instrumento que, no fim do show, fiquei pensando que, mesmo que ele estivesse beijando oito meninas antes do show, eu ia achar merecido. Guitarra de macho
A batera tem tudo que uma bateria precisa ter. É precisa, mesmo quando furiosa, e boa no breque. É despretensiosa como uma criança. Uma criança de doze toneladas, naturalmente.
Vou repetir isso até o próximo show: vá ver o Soulstripper ao vivo que vale o ingresso.
Você não tem como não gostar de uma banda que faz músicas com títulos como "Eu te amo de mentira", "Meninas Bonitas Têm o Que Querem" e "Garotas Beijando Garotas" e cantam letras como "Você pegou meu coração/ Fez bolha de sabão / e começou a estourar".
É aquela simplicidade eloqüente herdada do blues que toda banda de rock que quer botar o povo pra dançar deveria ter.
"Essa música se chama 'O Massacre Do Dia Dos Namorados' e é pra todo mundo que namora e sabe que namorar é um saco", diz o Bruno. É música de menino pra menina, como eles dizem, e emo é o contrário de ome.
Simples assim e do caralho que seja assim.
Fui fuçar na internet e descobri o seguinte:
Você pode entrar no site (http://www.soulstripper.com.br/) deles e, de lá, baixar um tanto de música, visitar o fotolog (http://www.fotolog.com/soulstripper) e fazer contato com os caras.





Eles têm gold, então, sempre tem espaço pra comentar.



Assim que o show deles acabou, encontrei a Bruna Tang e o Drico Lopes e, como sempre, é ótimo. Depois, notando uma certa agitação em torno do palco, fui pra lá. Os meus companheiros do primeiro show ainda estavam lá. Uma japonesa vestido verde, daquele bem verde que toda menina veste hoje em dia, e um gordote gente boa, com cabelinhos de miojo. Lembre-se dele, ele ainda vai voltar, mais pra frente, na história.
Uma menina aparece no palco. Parece ter saído de um clipe da Sade. "Smooth Operator" entra num loop eterno no meu subconsciente de modo tal que, não importe a música que toca na hora, é "Smooth Operator" porque eu não aceito outra.
Ela vai tirando peça por peça da roupa e eu te digo, camarada, que no show do Soulstripper não tinha e no show do Rock Rocket não ia ter tanta gente tirando foto do palco ao mesmo tempo. O gordote de cabelos de miojo tirou uma foto da minha cara e ainda vai voltar mais uma vez na história – não perca.






Restava esperar o Rock Rocket e, assim que o show começou, a sensação que eu tinha é que estava diante de um jogo ganho, mas confesso que deu um certo medo. Eles começaram com uma música que falava do baseado na estrada, que me pareceu boa, mas também pareceu uma versão lesada. Dava até pra ceder a tentação e dizer que o show começou meio assustado, mas olhando de longe, a primeira música tem mais uma cara de música de aclimatação. Tanto foi que o que veio depois dela foi um show de rock'n'roll exemplar. Se eu tinha grandes expectativas a respeito do que seria um show do Rock Rocket, elas foram amplamente satisfeitas. Olhando de longe, é uma estratégia boa. Uma música pra chamar atenção para o palco e o resto delas pra fazer todo mundo pular e dançar. A japonesinha de verde, do meu lado URRA como quem quer dar uma estilingada com a laringe em alguém lá em cima do palco. Quando eles entram com a segunda música, "Ninfomaníaca", você sente o impacto no corpo. Eles sentam o pau em "A Mulher Mais Linda da Cidade", que cheira àqueles vinhos que deixam a língua preta e, em "Puro Amor em Alto Mar", teve até joelhinho no final. Tocaram "Louca Demais", boa música do disco novo, que sai pela Trama Virtual (http://tramavirtual.uol.com.br/rock_rocket) e tudo parecia tão bem. Até que uma gordota bêbada chegou cambaleando, se apoiou no palco e ficou fazendo poses séquicis (era pra ser sexy, mas não dá) na minha direção. Ela vai ajeitar o cabelo e arranca o aplique loiro. Desculpa se um dia ela ler isso, mas que parecia a Divine parecia. E ainda cambaleando olhando pra um aplique de cabelo que parecia o cadáver de um poodle? Dava pra mandar o John Waters vir buscar o personagem que ele deixou escapar.
Pra escapar, eu usei a manobra número um que consiste em deixar o pensamento "acho que vou bater uma foto lá do outro lado do palco" passar pela sua cabeça e, daí, seguir o fluxo.
Fui.
Ela grudou o poodle de volta na cabeça e, quando olha em volta, quem ela vê? Sim: ELE! O gordote de cabelo de miojo que tirou uma foto da minha cara! Ele aparentemente se interessaram um pelo outro: em "A Noite é de Rock'n'Roll" os dois já beijaram e quando a banda dedica uma música nova "aos amigos do Matanza que estão aí", o cadáver do poodle está na mão dele. Ela pega o aplique, gruda de novo e decide que precisa fazer algo maior na sua vida – SIM! – ela precisa subir NO PALCO!
O que acontece depois (juro que prometo postar as fotos depois – JURO!) é a Divine no palco, deixando o corpo escorrer junto ao corpo de cada um dos integrantes da banda que, desesperados, promovem um bailado de emaranhar cabo entre um microfone e outro, tentando manter o show rolando. Quando eles tocam "A Namoradinha de Um Amigo Meu", ela tenta fazer poses séquices de lá de cima do palco e quase arranca o poodle da cabeça outra vez. Em "Filho do Rock'N'Roll", ela age como se fosse a mãe e, no meio dessa história toda, uma menina me pede fogo e, quando eu vou pegar o isqueiro, sou atingido em cheio pelo jato de fumaça que vem do palco. Ver aquela fumaça saindo de dentro dos furos da minha jaqueta me fez parecer o Motoqueiro Fantasma. "Onde há fumaça, há fogo", eu disse pra ela. Tia Encarnação me daria três estrelinhas por uma réplica como essa. Infelizmente, ela só aconteceu dentro da minha cabeça – berço e cemitério de 99.9% das minhas réplicas geniais.
Finalmente, depois de cantar "Cerveja Barata" como uma questão pessoal, a Divine desce do palco, se espatifa no chão, exibe um cofrinho onde daria pra fazer um depósito de quinze mil dólares enrolados em maço e volta aos braços do herói da noite – o cara que matou o dragão, que aparece aqui, pela última vez na história e não ganhou um tusta de cachê.
O Rock Rocket fechou com uma versão raçuda de "Search And Destroy" e eu voltei pra casa com os tímpanos vibrando no ritmo daquele bumbo que em momento algum parou de bater no show do Rock Rocket.





Era o fim de mais uma noite feliz no Inferno.
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